sábado, 28 de julho de 2012

PRINCESA ISABEL REDENTORA OU SANTA?



Por Dom Antonio Augusto Dias Duarte*

Comecei a escrever esse artigo no dia 14 de novembro de 2011, sabendo que há 90 anos falecia, em Paris, a primeira mulher que governou o Brasil, a princesa Isabel Cristina Leopoldina Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança.
Era também uma segunda-feira, e no Castelo d’Eu, na Província da Normandia, em consequência de uma insuficiência cardíaca agravada por congestão pulmonar, a três vezes regente do Império brasileiro pronunciava o seu definitivo “sim” a Deus, aceitando a morte bem longe de sua amada pátria, o Brasil.
No seu testamento feito em Paris, no dia 10 de janeiro de 1920, encontram-se os seus três grandes amores. Assim se lê nesse documento revelador: “Quero morrer na religião Católica Apostólica Romana, no amor de Deus e no dos meus e de minha pátria”.
Inseparáveis no coração de mulher, de mãe e de regente, esses amores, vividos com fidelidade e heroísmo, constituíram o núcleo mais profundo de seu caráter feminino, sempre presente na presença régia dessa mulher – esposa, mãe, filha, irmã, cidadã – e, sobretudo, na sua função de uma governante incansável na consecução de uma causa que se arrastava lentamente no Império desde 1810: a libertação dos escravos pela via institucional, sem derramamento de sangue.
Conhecendo com mais detalhes a vida dessa regente do Império brasileiro e conversando com várias pessoas sobre a sua possível beatificação e canonização num futuro próximo, fico admirado com suas qualidades humanas e sua atuação política sempre inspirada pelos princípios do catolicismo, e, paralelamente, chama-me atenção o desconhecimento que há no nosso meio cultural e universitário sobre a personalidade dessa princesa brasileira.
Sabemos que sua atuação política, inspirada pelos ensinamentos evangélicos, não foi bem acolhida na corte e na sociedade da sua época, quando a economia brasileira dependia desse sistema escravagista tão indigno do ser humano. Sabemos que sua vida católica profunda e ao mesmo tempo muito prática incomodava, a tal ponto que comentários pejorativos – tal como acontece ainda hoje quando se é autenticamente católico – sobre sua “beatice” eram muito frequentes entre os políticos da sua época. Sabemos que as suas ações beneméritas e de caridade cristã não só a levaram a abraçar essa causa abolicionista, mas também a varrer a Capela Imperial de Glória (a Igreja do Outeiro) com as mulheres escravas e a viver com constância duas das inúmeras preocupações cristãs: rezar pelo Brasil e pela conversão dos ateus.
O que sobressai nesse saber histórico e nos permite falar e agir no sentido de abrir um processo canônico de beatificação dessa primeira mulher governante do Brasil é a sua fé firme, a sua fervorosa caridade e a sua inabalável esperança cristã, que a conduziram por um caminho muito característico das pessoas que respondem à chamada, presente no sacramento do Batismo, a santidade. O caminho da defesa da dignidade e dos autênticos direitos humanos, tão necessária para a construção de um país onde a justiça social e a paz entre os homens fortalecem as relações entre todas as classes sociais, não é apenas uma atitude política, mas é uma ação própria dos santos de todos os tempos e, principalmente, da nossa época moderna e pós-moderna.
A princesa Isabel, como católica, esposa, mãe e governante do Brasil, sabia muito bem que a fé, a esperança e a caridade cristãs não conduzem a um refúgio no interior das consciências ou não são para serem vividas somente entre as quatro paredes de uma igreja, mas comprometem os católicos na busca incansável de soluções para os grandes problemas sociais da época da história na qual vivem.
Foi por isso que a princesa Isabel mereceu a mais suma distinção da Igreja Católica, a Rosa de Ouro, conferida pelo Papa Leão XIII, em 28 de setembro de 1888, um prêmio que é análogo ao atual Prêmio Nobel da Paz, e até hoje foi a única personalidade brasileira a receber essa comenda, guardada no Museu de Arte Sacra do Rio de Janeiro.
Os passos que começaram a ser dados para a abertura do processo de beatificação da princesa Isabel na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro estão perfeitamente sincronizados com as reais necessidades do nosso país, governado hoje pela segunda mulher brasileira. Ontem como hoje a promoção da vida dos mais marginalizados no Brasil, a defesa do “ventre livre”, onde as crianças podem desenvolver-se sem a entrada de máquinas aspiradoras e assassinas das suas vidas, a atenção social e econômica mais urgente com os “escravos do álcool, do crack, dos antivalores” que acabam com boa parte da juventude brasileira, a tolerância e o respeito pela pluralidade religiosa e a abertura ao diálogo sincero entre as diversas camadas sociais são prioridades que devem ser atendidas num esforço comum entre católicos, evangélicos, muçulmanos, judeus, seguidores das religiões africanas, enfim, por todos que têm amor pelos seus entes queridos e pelo Brasil à semelhança da princesa Isabel.
Para que no Brasil se respire a verdadeira liberdade e haja realmente unidades pacificadoras no meio das cidades espalhadas, e não em comunidades cariocas dominadas pelo tráfico de drogas, urge ter homens e mulheres, como a princesa Isabel, o frei Galvão, a irmã Dulce, etc., que com suas vidas exemplares na fé, na esperança e na caridade, sejam testemunhas vivas da santidade, que não passou de moda, pois os santos continuam sendo os grandes conquistadores e construtores do mundo onde a humanidade pode habitar.
Vale a pena considerar com pausa e reflexão essa chamada feita no início do Terceiro Milênio pelo saudoso Papa João Paulo II para a hora em que estamos vivendo na Igreja.
“É hora de propor de novo a todos, com convicção, essa medida alta da vida cristã ordinária: toda a vida da comunidade eclesial e das famílias cristãs deve apontar nessa direção (...). Os caminhos da santidade são variados e apropriados à vocação de cada um” (cf. Carta Apostólica no início do Novo Milênio, beato João Paulo II, n. 31, 6.1.2001).

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* Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, no jornal “O Testemunho de fé”.

domingo, 22 de julho de 2012

A MORTE CATÓLICA DO CONDE D'EU


O Príncipe faleceu no dia 28 de agosto de 1922, vítima de um ataque cardíaco, a bordo do navio francês "Massília". (...) o grande católico e grande brasileiro, rodeado de sua nora, D. Maria Pia, e de seus netos D. Pedro Henrique(1), D. Luiz Gastão(2) e D. Pia Maria(3), confortado com os Santos Sacramentos, em plena lucidez e tendo pedido que lhe dessem o seu crucifixo, piedosa lembrança de sua avó paterna, a Rainha dos Franceses Maria Amélia, que lho dera no dia de sua Primeira Comunhão, para que, abraçado a ele, pudesse lograr a última indulgência plenária.
Poucos meses antes, já octogenário, assistira em Roma, ao Congresso Eucarístico Internacional, acompanhando, com grande fé, devoção e humildade e sem poupar sacrifícios, todos os exercícios e cerimônias. O corpo do Conde d'Eu foi depositado a 31 de agosto de 1922 na Igreja da Santa Cruz dos Militares, no Rio, onde o visitou, a 2 de setembro, o nosso caro confrade Adroaldo Mesquita da Costa, que achando-se, então, na capital da República, fez a gentileza de deixar no livro de presença, declaração de que também me representava, enviando-me, logo após, um cartão postal, que ainda conservo, com as seguintes palavras: "Acabo de chegar da visita que fiz à Igreja da Santa Cruz dos Militares, onde fui visitar o corpo do MARECHAL DA VITÓRIA, o nosso saudoso Conde d'Eu". 
A 30 de setembro, o corpo do grande príncipe seguiu para a França, no paquete brasileiro Curvelo, sendo deposto a 26 de outubro, no sarcófago  da capela mortuária da Casa Real de França, em Dreux, junto ao de sua excelsa esposa, a princesa D. Isabel".

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‎(1) D. Pedro Henrique era então o Chefe da Casa Imperial do Brasil pelo falecimento de sua avó, D. Isabel, em 1921. Tinha 12 anos de idade e era do maior interesse do Conde d'Eu apresentá-lo aos brasileiros.
(2) Morto em odor se santidade, aos 20 anos de idade, recomendamos que leiam em Documentos, o resumo de sua vida de autoria do Capelão de D. Isabel na França.
(3) D. Pia Maria, Princesa Imperial do Brasil de 1931 até o nascimento de D. Luiz, atual Chefe da Casa Imperial do Brasil, nas  memórias que editou de sua mãe, nada menciona sobre as homenagens prestadas ao Conde d'Eu no Rio de Janeiro. Preferimos nos abster de comentar seu relato deixando o tópico em aberto para quem melhor conheça o assunto.


sábado, 7 de julho de 2012

CAÇADORES DE UNICÓRNIO - II


I) É necessário crer que a Monarquia é, conforme a doutrina da Igreja, o melhor dos regimes


Primeiramente queiram nos desculpar os leitores com a demora do segundo artigo da série para elucidar nossas posições e refutar as afirmações de católicos pseudo-tradicionais que sob a desculpa de fidelidade ao Reinado Social de Nosso Senhor, pretendem reduzir este reinado à uma expectativa milagrosa, se tornando semelhantes aos modernistas que o reduzem à inoportunidade. Eis então à lume o nosso segundo artigo da série, que não pretende esgotar o assunto, mas antes fornecer ao leitor os primeiros princípios da inteligência sobre o assunto.


Pode parecer estranho à mentalidade moderna que a Igreja Católica se pronuncie em questões aparentemente meramente políticas como as formas de governo. Para a mentalidade moderna religião e política, Igreja e Estado, não devem se ocupar um com os assuntos do outro. No entanto, temos que as relações com a Igreja e o Estado são utilíssimas, para alcançar os fins do Estado, que é o bem comum, e o da Igreja que é a salvação das almas. É isto que se depreende da leitura atenta da Encíclica Immortale Dei de Leão XIII: “Deus dividiu, pois, o governo do gênero humano entre dois poderes: o poder eclesiástico e o poder civil; àquele preposto às coisas divinas, este às coisas humanas. Cada uma delas no seu gênero é soberana; cada uma está encerrada em limites perfeitamente determinados, e traçados em conformidade com a sua natureza e com o seu fim especial. Há, pois, como que uma esfera circunscrita em que cada uma exerce a sua ação “iure próprio”. Todavia, exercendo-se a autoridade delas sobre os mesmos súditos, pode suceder que uma só e mesma coisa, posto que a título diferente, mas no entanto uma só e mesma coisa, incida na jurisdição e no juízo de um e de outro poder. Era, pois, digno da Sábia Providência de Deus, que as estabeleceu ambas, traçar-lhes a sua trilha e a sua relação entre si. “Os poderes que existem foram dispostos por Deus” (Rom 13, 1). Se assim não fora, muitas vezes nasceriam causas de funestas contenções e conflitos e muitas vezes o homem deveria hesitar, perplexo, como em face de um duplo caminho, sem saber o que fazer, em conseqüência das ordens contrárias de dois poderes cujo jugo em consciência ele não pode sacudir. Sumamente repugnaria responsabilizar por essa desordem a sabedoria e a bondade de Deus, que, no governo do mundo físico, todavia de ordem bem inferior, temperou tão bem umas pelas outras as forças e as causas naturais, e as fez harmonizar-se de maneira tão admirável, que nenhuma delas molesta as outras, e todas, num conjunto perfeito, conspiram para a finalidade a que tende o universo. Necessário é, pois, que haja entre os dois poderes um sistema de relações bem ordenado, não sem analogia com aquele que, no homem, constitui a união da alma com o corpo. Não se pode fazer uma justa idéia da natureza e da força dessas relações senão considerando, como dissemos, a natureza de cada um dos dois poderes, e levando em conta a excelência e a nobreza dos seus fins, visto que um tem por fim próximo e especial ocupar-se dos interesses terrenos, e o outro proporcionar os bens celestes e eternos.
Assim, tudo o que, nas coisas humanas, é sagrado por uma razão qualquer, tudo o que é pertinente à salvação das alas e ao culto de Deus, seja por sua natureza, seja em relação ao seu fim, tudo isso é da alçada da autoridade da Igreja. Quanto às outras coisas que a ordem civil e política abrange, é justo que sejam submetidas à autoridade civil, já que Jesus Cristo mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Tempos ocorrem às vezes, em que prevalece outros modo de assegurar a concórdia e de garantir a paz e a liberdade; é quando os chefes de Estado e os Sumos Pontífices se põem de acordo por um tratado sobre algum ponto particular. Em tais circunstâncias, dá a Igreja provas evidentes da sua caridade materna, levando tão longe quanto possível a indulgência e a condescendência.” 1
E entendemos que o próprio pontífice louvou as monarquias por terem cumprido tão perfeitamente suas obrigações terrenas sem descuidar-se de auxiliar a Igreja no cumprimento de suas obrigações celestes:
“Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos príncipes e à proteção legítima dos magistrados. Então o sacerdócio e o império estavam ligados em si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer.” 2
Por isso muitos Pontífices corroboraram com sua palavra que a monarquia é a melhor forma de governo, chegando a lamentar que como efeitos da revolução tenha surgido a república como uma forma de governo antagônica.
É o que aparentam as palavras de Pio VI, na alocução ao Consistório Secreto (17 de Junho de 1793), sobre a execução do Rei Luís XVI: "Após ter abolido a forma de governo monárquica, que é a melhor, ela [a Convenção] transferiu todo o poder público ao povo." 3 
E o Santo Padre Bento XV, como meio de restauração do Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo, apelou para a nobreza, inculcando-lhe fidelidade às suas origens para preparar-se para a obra árdua da Restauração da dignidade da religião católica. De fato são essas as suas palavras, dirigidas ao Patriciado e Nobreza de Roma: “Mas, enquanto com o digno representante do Patriciado Romano Vós reconhecíeis que "o sacerdote, à custa de qualquer sacrifício, dava-se inteiramente a
si mesmo para o bem do seu próximo", também Nós reconhecemos a existência dum outro sacerdócio, semelhante ao sacerdócio da Igreja: o da nobreza. Ao lado do "regale Sacerdotium" de Cristo, vós também, ó nobres, vos elevastes como "genus electum" da sociedade; e a vossa obra foi aquela que, acima de qualquer outra, se assemelhou e emulou com a obra do clero. Enquanto o sacerdote assistia, sustentava, confortava com a palavra, com o exemplo, com a coragem, com as promessas de Cristo, a nobreza cumpria também ela o seu dever no teatro de batalha, nas ambulâncias, nas cidades, nos campos; e lutando, assistindo, contribuindo ou morrendo – velhos e jovens, homens e mulheres – tinham fé nas tradições das glórias avoengas e nas obrigações que a sua condição impõe. (...) Com razão, pode-se dizer a esse respeito que as admoestações do Apóstolo convêm de modo admirável também aos nobres da nossa época. Também vós, dilectíssimos filhos, tendes a obrigação de andar adiante dos outros com a luz do bom exemplo "in omnibus te ipsum praebe exemplum bonorum operum". Em todos os tempos urgiu aos nobres o dever de facilitar o ensinamento da verdade e "in doctrina"; mas hoje, quando a confusão das ideias, companheira da revolução dos povos, fez perderem-se, em tantos lugares e por parte de tantas pessoas, as verdadeiras noções do Direito, da Justiça e da Caridade, da Religião e da Pátria, cresceu ainda mais a obrigação dos nobres de empenhar-se em fazer voltar ao patrimônio intelectual dos povos estas santas noções, que nos devem dirigir na atividade quotidiana (...) Oh! como Nos é doce, como é suave contemplar os admiráveis efeitos desta bem augurada continuidade. A vossa nobreza, então, não será considerada como sobrevivência inútil de tempos passados, mas como fermento reservado para a ressurreição da corrupta sociedade: será farol de luz, sal de preservação, guia dos que erram; será não só imortal nesta terra, onde tudo, e mesmo a glória das mais ilustres dinastias fenece e entra em ocaso; mas será imortal no Céu, onde tudo vive e se deifica com o Autor de todas as coisas nobres e belas.” 4
Pio XII, em sua Alocução à Guarda Nobre em 1939, faz o mesmo raciocínio que Bento XV, usando de expressões de Leão XII: "Nobres, vós o éreis antes mesmo de servir a Deus e ao seu Vigário sob o estandarte branco e ouro. A Igreja, a cujos olhos a ordem da sociedade humana repousa fundamentalmente na família, por humilde que seja, não subestima o tesouro que é a nobreza hereditária. Pelo contrário, pode dizer-se que o mesmo Jesus Cristo não a menosprezou: o varão ao qual foi confiado o encargo de proteger a sua adorável Humanidade e a sua Mãe Virginal era de estirpe régia: `José, da Casa de David' (Lc. 1, 27). E foi pela mesma razão que o Nosso Antecessor Leão XII, no Breve de reforma do Corpo de 17-2-1824, atestou que a Guarda Nobre é `destinada a prestar serviço mais próximo e imediato à Nossa mesma Pessoa e constitui um Corpo, o qual, tanto pelo fim para que foi instituído, quanto pela qualidade dos indivíduos que o compõem, é a primeira e a mais respeitável das armas do Nosso Principado.'" 5

Mas não basta que os dirigentes do Estado auxiliem a Igreja? Acaso a Igreja pode propor algum regime político como o melhor? Não é isso uma daquelas matérias sobre as quais a Igreja não possua infalibilidade, já que não é matéria de Fé, nem de Moral?
Antes de falar diretamente sobre isso voltemos ao fundamento da política, que é a filosofia. Tomemos as palavras de Theobaldo Miranda Santos: “Na concepção aristotélica a filosofia é a ciência de tudo o que existe e compreende três ordens de conhecimentos: 1) conhecimentos teóricos, que visam a pura especulação – física, matemática, metafísica; 2) conhecimentos práticos, que têm por fim dirigir a ação – ética e política; 3) conhecimentos poéticos, que tem por fim dirigir a produção, isto é, as obras humanas, poética, retórica e outras artes.” 6
Provado que a política diz respeito à filosofia, falta-nos determinar se é ocupação da Igreja se ocupar com a filosofia. Para tanto nos usemos das palavras do papa Leão XIII: “como, segundo o aviso do Apóstolo, “pela filosofia e vã falácia” (Col II,18) são muitas vezes enganadas as mentes dos fiéis cristãos e é corrompida a sinceridade da fé nos homens, os supremos pastores da Igreja sempre julgaram ser também próprio de sua missão, promover, com todas as forças, as ciências que merecem tal nome e a um só tempo zelar, com singular vigilância, para que as ciências humanas fossem ensinadas por toda parte, segundo a regra da fé católica, e, em especial, a filosofia, da qual, sem dúvida, depende em grande parte o reto ensinamento das demais ciências.” 7
A Igreja então se preocupa com a filosofia porque entende que “se está são o entendimento do homem e se apoia em princípios sólidos e verdadeiros, produzirá muitos benefícios de utilidade pública e privada.” 8
Tendo então essa conexão com a Fé (entendimento são) e com a Moral (finalidade da ação humana), é portanto próprio da Igreja tomar a filosofia e por consequência a política, enquanto filosofia prática (benefícios de utilidade pública), como matéria de seus ensinos infalíveis, ou meramente autênticos.
Por isso estabeleceu-se como própria da Igreja Católica a filosofia de Santo Tomás, pois nenhuma outra filosofia torna o entendimento do homem mais são e nem o apoia em melhores princípios conforme conclui o mesmo Pontífice Leão XIII, na encíclica que restaurou o ensino tomista nas universidades e seminários católicos: “Agora bem: entre os Doutores escolásticos, brilha grandemente Santo Tomás de Aquino, Príncipe e Mestre de todos, o qual, como adverte Caetano, “(...) por haver venerado profundamente os antigos Doutores sagrados, obteve, de algum modo, a inteligência de todos”. Suas doutrinas, como membros dispersos de um corpo, reuniu-as e congregou-as Tomás, dispondo-as com ordem admirável, e de tal modo enriqueceu-as com novos princípios que, com razão e justiça, é considerado como defensor especial e honra da Igreja Católica.” 9
Sendo assim, nada melhor, que estabelecida a necessidade que tem o fiel católico de aderir o pensamento de Santo Tomás, utilizar da própria sabedoria de Santo Tomás para demonstrar qual seja a melhor forma de governo:

De como é melhor que a multidão se governe por um só do que por muitos.

Isto posto, cumpre indagar o que mais convém ao país ou à cidade: ser governado por muitos ou por um só. E isto se pode considerar a partir do próprio fim do governo. Deve ser a intenção de qualquer governante o procurar a salvação daquele cujo governo recebeu. Pois, compete ao piloto conduzir ilesa ao porto de salvamento a nave, guardando-a contra perigos do mar. Ora, o bem e salvamento da multidão consorciada é conservar-lhe a unidade, dita paz, perdida a qual, perece a utilidade da vida social, uma vez que é onerosa a si mesma a multidão dissensiosa. Por conseguinte, o máximo intento do governante deve ser o cuidar da unidade da paz. Nem é reto deliberar ele a não ser que produza a paz na multidão a ele sujeita, como não o é para o médico, a não ser que cure o enfermo a ele confiado. Realmente, ninguém delibera do fim que deve perseguir, mas sim do que se ordena ao fim. Daí dizer o Apóstolo (Ef 4,3), depois de recomendar a unidade do povo fiel: “Sede solícitos em conservar a unidade do espírito no vínculo da paz”. Assim, tanto mais útil será um regime, quanto mais eficaz for para conservar a unidade da paz. Dizemos, de fato, mais útil aquilo que melhor conduz ao fim. Ora, manifesto é poder melhor realizar unidade o que é de per si um só, que muitos, tal como a mais eficiente causa de calor é aquilo que de si mesmo é quente. LOGO, É O GOVERNO DE UM SÓ MAIS ÚTIL QUE O DE MUITOS.
Além do mais, é claro que muitos não governam de modo algum a multidão, se dissentirem totalmente. Assim, requer-se, em muitos, certa união para poderem, de algum modo, governar; porquanto muitos nem poderiam levar um navio para uma parte, a não ser que dalguma forma conjuntos. Mas diz-se que muitos são um pela aproximação deles a um só. Portanto, melhor governa um só, do que muitos, por aproximação de um. Mais ainda: o mais bem ordenado é o natural; pois, em cada coisa, opera a natureza o melhor. E todo regime natural é de um só. Assim, na multidão dos membros, há um primeiro que move, isto é, o coração; e, nas partes da alma, preside uma faculdade principal, que é a razão. Têm as abelhas um só rei, e em todo o universo há um só Deus, criador e governador de tudo. E isto é razoável. De fato, toda multidão deriva de um só. Por onde, se as coisas de arte imitam as da natureza e tanto melhor é a obra de arte, quanto mais busca a semelhança da que é da natureza, importa seja o melhor, na multidão humana, o governar-se por um só. Também as experiências o testemunham. Pois, laboram em dissensões e flutuam sem paz os países ou as cidades que não se governam por um só, a fim de se ver o cumprimento daquilo de que se queixa o Senhor pelo Profeta (Jr. 12,10), dizendo: “Os muitos pastores arruinaram a minha vinha”. Ao contrário, porém, os países e as cidades, dirigidos por um só rei, gozam de paz, florescem na justiça e alegram-se com a opulência. Em virtude disso, promete o Senhor ao seu povo, pelos profetas (Jr. 30,21; Ez 34,24; 37,25; etc), como grande mercê, pôr-lhes à frente um só chefe, não havendo senão um príncipe no meio dele.”10

E de fato, Santo Tomás, observa que é mais perfeito o que melhor imita a natureza das coisas, e entre as sociedades que melhor imitam a natureza ds coisas está a Igreja, que Jesus Cristo fundou com natureza Monárquica. Isto ele observa pouco antes da citação acima:
“Além disso, não há dúvida alguma de que o regime da Igreja é otimamente ordenado, por ser disposto por aquele por quem ''os reis e os juízes distribuem a justiça'' (Pr. 8, 15). É ótimo o regime político quando o povo é governado por um só, e isto se depreende da finalidade do regime político que é a paz, pois a paz e a união dos súditos é a finalidade da ação dos governantes. Ora, um só consegue melhor a paz do que muitos. Por isso, o regime da Igreja foi disposto de modo que um só presida toda a Igreja.”11

Por estas razões cremos que o o católico deve no mínimo dar o assentimento da inteligência e, concordando com o Magistério da Igreja, sustentar que a Monarquia é em princípio a melhor forma de governo.


1. Leão XIII, "Immortale Dei", 19-20
2. Leão XIII, "Immortale Dei", 28
3. Pio VI, "Typis S. Congreg. de Propaganda Fide", Romae, 1871, vol. II, p. 17
4. Bento XV, "L'Osservatore Romano", 6 de Janeiro de 1920
5. Pio XII,  in "PNR", pág. 710
6. Theobaldo Miranda Santos, "Manual de Filosofia", Companhia Editora Nacional, 2º edição, 1958, pág. 23-24
7. Leão XIII, "Æterni Patris", 2
8. Leão XIII, "Æterni Patris", 4
9. Leão XIII, "Æterni Patris", 21)
10. Santo Tomás de Aquino, "Suma Contra os Gentios",  II, livro IV, Cap. LXXVI, n. 8-9
11. Santo Tomás de Aquino, "Suma Contra os Gentios", II, livro IV, Cap. LXXVI, n. 4)