quinta-feira, 27 de outubro de 2011

VERITAS IPSA






Tendo circulado em uma pseudo comunidade monárquica umas bobagens escritas por um rapazola ateu atacando a Santa Igreja e acusando-a de pregar que os negros não tem alma, e outras sandices do gênero, resolvi divulgar o excelente e-mail que me mandou o jovem advogado Dr. Rodrigo Rodrigues Pedroso, da Associação Comercial de São Paulo, no dia 31 de janeiro do corrente ano. Que São Benedito tenha pena dos muitos jovens mal formados que pululam por aí.




Paulo Evaristo "Woolf"






Texto de Rodrigo Rodrigues Pedroso:



Em 1537, a Igreja condenou a escravização dos indigenas da America (as "partes Occidentaes") e da Africa ("os do Meio-Dia") pela bula Veritas Ipsa, do Papa Paulo III. Aos traficantes de escravos, posteriormente, foi cominada a pena canônica de excomunhão. O cristianismo já havia sido o responsável pelo desaparecimento da escravidão na Europa, no século V. Efetivamente, toda a economia do Império Romano estava assentada sobre a exploração da mão-de-obra escrava. Pelo direito quiritário de Roma Antiga, o escravo não era considerado pessoa perante o direito, mas mera coisa, sem qualquer direito a ser respeitado. Os escravos, por exemplo, não tinham o jus conubii (o direito de casar-se), as uniões entre escravos não eram consideradas casamento, mas contubernium, como entre os animais. Se o senhor estuprasse uma escrava ou matasse um escravo de sua propriedade, nenhum crime cometeria, tal como se fizesse o mesmo com o seu cachorro. Foi a Igreja, com a ascensão do cristianismo, que obrigou os senhores a reconhecerem direitos aos seus escravos: direitos como o de constituir familia legitima, o de possuir bens, o de ter tempo livre para descanso. Com o cristianismo e o reconhecimento de direitos aos escravos, estes tiveram reconhecida a sua personalidade civil, foram reconhecidos como pessoas perante o direito, e a escravatura extinguiu-se para dar lugar à servidão da gleba, em que cada servo estava ligado a um pedaço de terra, do qual não poderia ser privado.Todavia, no século XVI, houve o retorno da escravidão ao Ocidente, devido à má influência que os maometanos exerceram sobre os portugueses, com as Grandes Navegações. Os portugueses, vendo que os maometanos ainda praticavam a escravidão em seus dominios na Africa, resolveram introduzi-la na América. Como já vimos, a Igreja condenou a escravização dos indigenas americanos e africanos, e estipulou a pena de excomunhão para quem praticasse o tráfico de escravos. Por que dessa vez não deu certo? Porque na época, como hoje na questão do aborto, existiam os Católicos pelo Direito de Escravizar, dentre eles muitos marranos (judeus que adotaram o catolicismo apenas com o interesse de não serem expulsos de Portugal).Segue a bula de Paulo III, na ortografiado do português antigo.






Rodrigo R. Pedroso.



Veritas Ipsa






Paulo III, a todos os fiéis Christãos, que as presentes letras virem, saúde, e benção Apostólica.






A mesma Verdade, que nem pode enganar, nem ser enganada, quando mandava os Pregadores de sua Fé a exercitar este officio, sabemos que disse : "Ide, e ensinai a todas as gentes. A todas disse, indifferentemente, porque todos são capazes de receber a doutrina de nossa Fé. Vendo isso, e invejando-o o comum inimigo da geração humana, que sempre se oppõe às boas obras, para que pereçam, inventou hum modo nunca dantes ouvido, para estorvar que a palavra de Deus não se pregasse às gentes, nem ellas se salvassem. Para isso, moveu alguns ministros seus, que desejosos de satisfazer as suas cobiças, presumem affirmar a cada passo, que os Índios das partes Occidentaes, e os do Meio Dia, e as mais gentes, que nestes novos tempos tem chegado a nossa notícia, hão de se interessar tem chegado a nossa notícia, hão de ser tratados e reduzidos a nosso serviço como animais brutos, a título de que são inábeis para a Fé catholica : e socapa de que são incapazes de recebella, os pôem em dura servidão, e os affligem, e opprimem tanto, que ainda a servidão em que tem suas bestas, apenas eh tão grande como aquella com que affligem a esta gente. Nós outros, pois, que ainda que indignos, temos as vezes de Deos na terra e procuramos com todas as forças achar suas ovelhas, que andam perdidas fora de seu rebanho, pera reduzillas a elle, pois este hé nosso officio; conhecendo que aquelles mesmos Indios, como verdadeiros homens, não somente são capazes da fé de Christo, senão que acodem a ella, correndo com grandíssima promptidão, segundo nos consta; e querendo prover nestas cousas de remedio conveniente, com authoridade Apostolica, pello teor das presentes letras, determinamos, e declaramos, que os ditos Indios, e todas as mais gentes que daqui em diante vierem à notícia dos cristãos, ainda que estejam fóra da Fé de Christo, não estão privados, nem devem sello, de sua liberdade, nem do domínio de seus bens, e que não devem ser reduzidos a servidão. Declarando que os ditos Indios, e as demais gentes hão de ser atrahidas, e convidadas a dita Fé de Christo, com a pregação da palavra divina, e com os exemplos de boa vida. E tudo o que em contrario desse documento se fizer, seja em si de nenhum valor, nem firmeza; não obstante qualquer coisa em contrário, nem as sobredittas, nem outras em qualquer maneira.






Dada em Roma, anno de 1537, aos nove de junho, no anno terceiro de nosso Pontificado.






Paulo PP. III

sábado, 15 de outubro de 2011

Entrevista com D. Luiz sobre os 200 anos da chegada da Família Real Portuguesa






A meu ver, as grandes qualidades de Dom João foram o seu excepcional descortino político e a sua sagacidade benévola e benfazeja. (...) De Dom João VI, eu quereria ter as qualidades que já citei. De Dom Pedro I, o arrojo e a coragem política e militar." (D. Luiz de Orleáns e Bragança)




Catolicismo — Qual a importância histórica e o significado mais profundo da vinda da Família Real portuguesa para o Brasil?



Dom Luiz — O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira costumava dizer que parecia haver um plano da Divina Providência, no sentido de formar para o terceiro milênio uma grande nação católica, com influência determinante nos acontecimentos do mundo, e que essa nação seria o Brasil. Apesar das mazelas dos dias que correm, esse sentimento é compartilhado mais ou menos conscientemente pela maioria dos brasileiros. Por sua extensão territorial quase continental, por seus recursos naturais praticamente inesgotáveis, por seu povo inteligente, afetivo, bondoso e fundamentalmente católico, nossa Pátria poderá, após os acontecimentos punitivos e regeneradores previstos pela Santíssima Virgem em Fátima, ser um luzeiro para toda a nova Cristandade. Numa era marial como a prevista por numerosos Santos, entre os quais o grande apóstolo mariano, São Luís Grignion de Montfort. A Terra de Santa Cruz poderá ter, nessa época, um papel exemplar para as outras nações, como o da França na Cristandade de outrora. Vista nessa perspectiva, a vinda da Família Real portuguesa para suas terras americanas tem um significado providencial transcendente.

Catolicismo — Fala-se geralmente que o Príncipe Regente Dom João e a Família Real fugiram para o Brasil. Está correto isso? Ou a realidade histórica é diferente?




Dom Luiz — A consciência de que o Brasil, pelo seu tamanho e pelas suas riquezas, teria um papel de primeira plana no império português, existiu desde o século XVII. Isso se vê no fato de que, a partir da ascensão ao trono da dinastia de Bragança, em 1640, o herdeiro imediato da Coroa tinha o título de Príncipe do Brasil. Cogitou-se desde o fim do século XVII em transferir para a América a capital do império luso, a fim de afastá-la das turbulências européias e, ao mesmo tempo, pô-la num lugar a partir do qual fossem mais fáceis e rápidas as comunicações com a África e a Ásia. O Rio de Janeiro tornara-se escala obrigatória para os navios rumo ao Oriente, e as possessões africanas foram muitas vezes administradas, desde o século XVIII, por governadores gerais e vice-reis do Brasil.
Quando se apresentou para Portugal a ameaça de uma invasão napoleônica, o então Príncipe Regente Dom João viu que era o momento de concretizar o velho plano, para poupar à Dinastia a sorte de tantas outras Casas reinantes espoliadas pelo tirano corso. A fim de ter tempo para preparar a transferência, Dom João aparentou longa indecisão entre a aliança inglesa e a francesa. Era preciso armar e preparar toda uma esquadra, encaixotar todo o necessário para a vida da corte e o funcionamento do governo na nova capital. Móveis, baixelas, obras de arte, biblioteca, arquivos, tesouro nacional, mil coisas diversas. O Príncipe Regente conseguiu, com sua aparente abulia, despistar magistralmente Napoleão. A ponto de este, em suas memórias redigidas no exílio de Santa Helena, se manifestar ressentido contra o “único soberano que o ludibriara”.






Catolicismo — A vinda da Família Real portuguesa foi vantajosa para a unidade e a grandeza do Brasil?






Dom Luiz — Foi providencial!






Catolicismo — Em que áreas?




Dom Luiz — O principal efeito foi que a nossa emancipação, pela virtude da Monarquia, se deu sem o País se fracionar em várias repúblicas, ao contrário da Hispano-América. O Brasil permaneceu uno. Durante os primeiros 67 anos de independência, foi poupado de muitas das turbulências políticas que assolaram nossos vizinhos, com golpes de estado, revoluções, ditadores populistas, etc. Após a proclamação da República, infelizmente, enveredamos também por essas brenhas...


Catolicismo — Estaria correto ou é exagerado dizer que Dom João VI assentou as bases do império brasileiro?




Dom Luiz — É inteiramente exato! Segundo o historiador Oliveira Lima, o Príncipe Regente Dom João veio para o Brasil com o intuito de formar aqui um grande império. Mal chegou ao Brasil, aquele homem aparentemente abúlico e indeciso tomou uma série de medidas fundamentais para isso. Basta citar que, no mês que passou na Bahia de 22 de janeiro a 26 de fevereiro, antes de desembarcar definitivamente no Rio de Janeiro, já decretara a abertura dos portos ao comércio internacional, aprovara a formação da primeira Escola de Medicina do Brasil e os estatutos da primeira companhia de seguros, concedera a licença para a construção de uma fábrica de vidro e outra de pólvora. Além disso, ordenara abrir estradas, encomendara um plano de fortificação e defesa da Bahia e a formação de dois esquadrões de cavalaria e um de artilharia. Não é razoável supor que todas essas medidas, que tiveram tantas conseqüências benéficas a longo prazo, tenham sido decididas na hora, ao sabor dos acontecimentos, sem que tivesse havido um planejamento anterior, um projeto político preexistente.
Já no Rio de Janeiro, dois dias depois de desembarcar a 8 de março, Dom João organizou o governo. O Ministério compunha-se de: Negócios Estrangeiros e da Guerra, com D. Rodrigo de Sousa Coutinho, futuro Conde de Linhares; Negócios do Reino, com D. Fernando José de Portugal, que seria feito Marquês de Aguiar; e Negócios da Marinha e do Ultramar, com D. João Rodrigues de Sá e Meneses, Visconde de Anadia.
No afã de criar as estruturas do País, Dom João ainda editou o regulamento da Administração Geral dos Correios, criou uma Escola Superior de Técnicas Agrícolas, um laboratório de estudos e análises químicas, a Academia dos Guardas-Marinha, a Academia Real Militar, que incluía Engenharia Civil e Mineração, a Impressa Régia. Estabeleceu, além disso, o Supremo Conselho Militar e de Justiça, o Arquivo Militar, o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, ou seja, o Judiciário independente no Brasil, a Intendência Geral de Polícia, o Erário Régio, o Conselho da Fazenda, o Corpo da Guarda Real. Mais tarde seriam criados o Banco do Brasil, a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional, o Real Teatro de São João e o Jardim Botânico, este último com a finalidade de aclimatar no Brasil espécies vegetais oriundas da África e Ásia.
As regiões mais distantes foram exploradas e mapeadas, e Oliveira Lima relata que o Príncipe Regente mandou pôr marcos de pedra em todas as nossas fronteiras, das Guianas à Argentina. Esses marcos serviriam muito mais tarde, já na República, para calçar as negociações de limites com nossos vizinhos, levadas a cabo pelo Barão do Rio Branco.
Cabe ainda lembrar que em 1815, já como Rei com o título de D. João VI, elevou o Brasil a Reino Unido com Portugal e Algarves. Com isso, politicamente ficava o Brasil emancipado de Portugal e equiparado à antiga mãe-pátria.
Dom João realmente deu ao Brasil as instituições políticas, judiciárias, militares, culturais e econômicas fundamentais para um país independente e soberano.

Catolicismo — Vossa Alteza sempre teve muito interesse pelos estudos históricos, e certamente terá conversado sobre esses temas com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, ilustre catedrático e mestre de História. Lembra-se de algum comentário dele sobre a vinda da Família Real para o Brasil?




Dom Luiz — Lembro-me especialmente de ouvi-lo comentar o modo como a Família Real foi recebida no Brasil. Nosso povo, muito afetivo, estava encantado de ter um rei na sua terra, e portanto o recebeu muito bem. Já na Bahia, estava tudo preparado: o Vice-Rei, as autoridades militares, o Bispo da Bahia e Primaz do Brasil, acompanhado de todo o cabido e do clero, com a relíquia do Santo Lenho para o Príncipe se ajoelhar e adorar logo que chegasse. Os sinos começariam a repicar, e uma procissão acompanhá-lo-ia até o Palácio da cidade.
Quando Dom João desembarcou, foi recebido por todos, mesmo pelos negros, já então muito numerosos na Bahia. Os sinos tocavam. Ele desceu em terra, e a primeira coisa que fez foi ajoelhar-se e receber a bênção do Bispo. Cantou-se o “Te Deum” pela feliz chegada da Família Real. Nunca um soberano tinha pisado nas três Américas, e Dom João, que ainda não era soberano, era somente Príncipe Regente em nome de sua mãe Da. Maria I, ficou encantadíssimo de ver um povo tão bom. A coisa se passou às mil maravilhas!
No Rio de Janeiro, a festa foi ainda maior.
Segundo afirmou o Dr. Plínio, ele era um governante segundo um sistema de que gostam os brasileiros: pomposo, autêntico, legítimo, mas com uns lados muito familiares. Tratava as pessoas muito bem, com muita cordialidade, muita bondade e muita gentileza. Era mesmo muito simples, muito lhano no seu modo de viver.

Catolicismo — Na opinião de Vossa Alteza, o Rei Dom João VI fez bem em voltar para Portugal? Ou teria sido melhor permanecer no Brasil?




Dom Luiz — Dom João VI queria permanecer no Brasil. Seu plano era estabelecer permanentemente a capital do império lusitano no Rio de Janeiro, pois previa que o Brasil tornar-se-ia forçosamente a parte mais importante dele, por seu tamanho, sua população e suas riquezas naturais. Além disso, ele gostava imensamente do Brasil, de seu povo e de suas paisagens. A ilha de Paquetá, na Baía de Guanabara, era para ele uma espécie de paraíso onde podia descansar das preocupações de governante. Só voltou a Portugal forçado por uma revolução liberal em Lisboa, que punha em risco a preservação da Monarquia lusa na Europa –– e também, seja dito de passagem, a unidade do Brasil como nação. Pois as Cortes de Lisboa ameaçavam dividir nosso País em várias províncias diretamente administradas por Lisboa, ou seja, rebaixar ao status anterior um território que já era Reino autônomo.
Entretanto, ao deixar o Rio de Janeiro, Dom João VI aconselhou ao seu filho primogênito que aqui deixava com Regente: “Pedro, mais cedo ou mais tarde o Brasil se tornará independente. Toma tu a Coroa antes que um aventureiro o faça”. Com isso D. João nos legou a continuidade monárquica, e também a unidade e a grandeza continental de nossa Pátria.
Em Portugal, Dom João conseguiu retomar logo o poder que estava sendo usurpado pelas Cortes e restabelecer as prerrogativas da Coroa, mas morreu pouco depois, ao que tudo indica, envenenado com arsênico por seus inimigos.

Catolicismo — Muitos autores fazem críticas pessoais, e até caricatas, a Dom João VI. Mas historiadores sérios como Oliveira Lima, e estrangeiros insuspeitos como Thomas O´Neill e o próprio Bonaparte, parecem considerar Dom João como um homem excepcional, de grande sabedoria, envergadura política e tino administrativo. O que pensa Vossa Alteza a respeito?




Dom Luiz — Estou convencido da veracidade dessa apreciação favorável. Toda a obra dele nos dá testemunho disso. É lamentável que, a partir da República, uma campanha sistemática de detração no-lo tenha apresentado, inclusive em livros escolares, como um homem desfibrado, indeciso, mole e glutão.
Contudo, apesar dessa campanha desfavorável, no subconsciente dos brasileiros a verdadeira imagem de Dom João permaneceu como tendo sido um rei grande, muito popular e simpático.

Catolicismo — Do ponto de vista do refinamento cultural e social, qual foi o papel de Dom João e da Família Real portuguesa na formação das elites brasileiras?




Dom Luiz — Foi enorme. O escritor Laurentino Gomes – a meu ver, falho em diversos aspectos – registra insuspeitamente que o tônus de vida aumentou muito no Rio de Janeiro, com a presença da Família Real. Um sintoma disso é que “o comércio, que [antes] só vendia escravos e cavalos, passou a oferecer pianos, livros, tecidos de linho, lenços de seda, champanhe, água de colônia, leques, luvas, vasos de porcelana, quadros, relógios e uma infinidade de outras mercadorias importadas”.
Não podia ser de outra maneira. A ação de presença da Corte só podia atrair para o Rio as famílias mais abastadas e estimulá-las no afã de melhorar seu modo de vida. Com isso, por via de conseqüência, o tônus de vida de toda a população teve substancial melhoria.
Acresce que Dom João atraiu para o Brasil missões artísticas e culturais da França e de outros países da Europa. Mais tarde Dona Leopoldina viria acompanhada de outras, especialmente da Áustria e da Alemanha.

Catolicismo — Na opinião de Vossa Alteza, Dom João VI chegou a vislumbrar algo da missão providencial do Brasil como continuador no Novo Mundo das tradições e glórias de Portugal?




Dom Luiz — Creio que sim. O fato de ele ter querido que seu herdeiro se casasse com uma arquiduquesa da Áustria mostra que considerava o futuro soberano do império luso, com capital no Rio de Janeiro, com suficiente nível para se unir com uma filha da mais alta Casa reinante da Cristandade, e portanto do mundo inteiro.

Catolicismo — É verdade que, quando Dom João chegou ao Brasil, mandou invadir a Guiana Francesa como represália à agressão napoleônica, e em conseqüência disso o território do atual Estado do Amapá pertence ao Brasil?




Dom Luiz — De fato, ao chegar ao Brasil, Dom João mandou invadir a Guiana Francesa. Nosso Corpo de Fuzileiros Navais foi criado para essa missão. O Príncipe Regente previa importantes negociações internacionais após a queda de Napoleão, a fim de reordenar o mundo convulsionado pelo tirano corso. Queria ter então moeda de troca, e só devolveu a Guiana quando a França desistiu de ter fronteiras nas margens do rio Amazonas.
É preciso dizer que Dom João VI tinha na Europa três diplomatas de primeira ordem: o Marquês de Marialva, junto à Corte de Viena, que negociou o casamento de Dom Pedro com Dona Leopoldina e defendeu os nossos interesses no Congresso de Viena, juntamente com o Conde de Palmela, que normalmente ficava em Londres. Além desses dois, havia também um Senhor Britto, baiano de nascença, que em Paris deixava exasperado o Duque de Richelieu, ministro de Luís XVIII, por causa da habilidade com que conseguia vantagens para Portugal em todas as negociações.
Esses três diplomatas podiam dar o melhor de si, mesmo porque se sabiam apoiados por um rei inteligente, sagaz, com grande visão política, muito esperto, e que sabia o que queria.

Catolicismo — O que tem a dizer Vossa Alteza sobre a reação dos portugueses católicos diante da invasão das hordas revolucionárias francesas?




Dom Luiz — Os portugueses católicos reagiram heroicamente diante do invasor. Começaram por uma guerrilha, que logo se transformou numa tropa regular. Auxiliados por forças inglesas, infligiram aos exércitos de Bonaparte, na Batalha do Bussaco, a primeira derrota em campo aberto de sua história. As forças anglo-lusas, muito ajudadas pela feroz guerrilha espanhola, continuaram a luta até a expulsão dos franceses da Península Ibérica.

Catolicismo — Fazendo abstração do fato de Vossa Alteza ser descendente e sucessor dinástico de Dom João, e apenas considerando a perspectiva histórica: na opinião de Vossa Alteza, qual a grande qualidade e qual a grande carência de Dom João?




Dom Luiz — A meu ver, as grandes qualidades de Dom João foram o seu excepcional descortino político e a sua sagacidade benévola e benfazeja. Uma de suas carências foi a falta de talento militar. Um Dom Pedro I teria mandado a Família para o Brasil, tomando a frente da resistência contra o invasor. Entretanto, é preciso ponderar que Dom João deve ter tomado em consideração, para agir como agiu, o fato de saber que o fermento da Revolução Francesa também se encontrava no Brasil; e que, permanecendo em Portugal, ele se arriscava a perder aquilo que era o maior florão de seus domínios. O que aconteceu com a América Espanhola parece lhe dar razão...

Catolicismo — Pedimos licença para duas perguntas bem pessoais: Se Vossa Alteza estivesse no lugar de Dom João, como teria agido quando da invasão napoleônica? E como teria agido no Brasil?




Dom Luiz — Não é fácil responder à primeira pergunta, pois entraram então em jogo muitos fatores que, à distância, não se pode julgar com segurança. Mas no Brasil, eu creio que teria agido como ele.

Catolicismo — Por fim, uma última pergunta de ordem pessoal: quais as qualidades de Dom João VI e Dom Pedro I que Vossa Alteza mais preza e mais deseja possuir e cultivar em si?




Dom Luiz — De Dom João VI, eu quereria ter as qualidades que já citei. De Dom Pedro I, o arrojo e a coragem política e militar.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Dom João VI





As responsabilidades podem pegar o homem de surpresa. Por vezes podem até sobrepôr-se à vontade própria.


De fato, quando reinava Dona Maria I, a Piedosa, a mãe que lhe educara nos bons princípios da fé e da moral católica, Dom João não tinha sobre si muitas reponsabilidades, mas tendo se adoentado o irmão, logo teve que casar-se com Dona Carlota Joaquina, isto em 1785, para assegurar a perpetuidade da dinastia. Sacrificou uma possível vocação religiosa pela qual abdicaria do trono, mas as precauções dos pais estavam certas, já que em 1788, seu irmão mais velho, dom José, falece de varíola. Não menos de 11 anos depois, Dona Maria, quiçás debilitada pelo medo de uma revolução em Portugal, tal qual a da França, que lhe ceifou a amiga Maria Antonieta, foi declarada incapaz de governar. Viu-se assim Dom João, com um verdadeiro império sob sua responsabilidade.


Desde que consolidara uma prole numerosa que garantiria o futuro do trono, Dom João, Regente de Portugal, fez do palácio de Queluz a moradia de sua esposa, Dona Carlota, e das crianças que não convinha separar da mãe. Para si, o Palácio de Mafra era residência perfeita. Construído com a madeira do Brasil, encrustado com jóias e pedras preciosas especificamente vindas de Minas Gerais, este palácio à 30 quilômetros de Lisboa, servia de sede do governo, convento e igreja.

Sim. Por necessidade ele se casara para dar à pátria um herdeiro. Tendo morido seu primogénito om menos de um ano, uma prole de cinco rebentos vivos, frutos de 9 gestações, já era suficiente para doravante ele não ter mais com que se preocupar, a não ser educá-los. Podia então dedicar-se à religião, assitir três missas por dia, como seu costume, cantar todas as horas litúrgicas com os monges do palácio de Mafra, e, como regente, resolver os assuntos do Estado, sempre bem estudados e aprofundados diante do Santíssimo, de cuja presença o regente não se esquivara para cumprir as obrigações políticas.


Dentre as preocupações políticas, havia uma que não deve ter deixado de passar pela cabeça do rei: aliar-se a Napoleão, e ver Portugal invadida pelos ingleses, ou lutar junto dos ingleses e ver Portugal invadida pela França? Em ambos os casos perderia o trono. Haveria uma opção? Tomemos as palavras do historiador pernambucano Manoel Oliveira Lima, e vejamos o que se passava na Europa em 1807: "O rei da Espanha mendigando em solo francês a proteção de Napoleão; o rei da Prússia foragido de sua capital ocupada pelos soldados franceses; o (...) quase rei da Holande refugiado em Londres; o Rei das Duas Sicílias exilado de sua lina Nápoles; as dinastias da Toscana e Parma, errantes; (...) o czar em Petersburgo; a Escandinávia prestes a implorar um herdeiro dentre os marechais de Bonaparte; o imperador do Sacro Império e o próprio Pontífice Romano obrigados de quando em vez a deixar seus tronos (...) eternos e intangíveis." Não era preciso muita inteligência para saber, que resistir a Napoleão, era uma pretensão insana, que ameaçava a continuação do trono dos Bragança. Por outro lado, ele poderia aliar-se, já que não podia resistir-lhe.

Mas, que representava aliar-se a Napoleão, o usurpador do trono francês, que arrancara a coroa das mãos do papa, e usado pelos maçons exportava a revolução e o liberalismo para toda Europa? Sim! Dom João VI, era anti-maçonaria. Pra se ter uma idéia, no seu governo, o Chefe de Polícia, Diogo Inácio da Pina Manique, continuou a política de sua mãe, Maria I, mandando prender maçons, fechar as lojas das sociedades secretas e proibindo a entrada de livros liberais. Manique foi investido por Dom Joçao com poderes de intendente-geral, desembargador, e adminsitrador da alfandega de Lisboa. E sob auspício de Dom João, dava á polícia as seguintes instruções: Aquele que você vir de sapatinho bicudo e muito brilhante, colarinho até meia orelha, cabelo rente na nuca e avolumado até a moleira, com suiças até os cantos da boca, garre-o logo, tranque-o na cadeia carregado de ferros, até que haja navio para o Limoeiroé iluminado ou pedreiro-livre." Limoeiro éra o nome da prisão em Lisboa, destianda exclusivamente a maçons e iluministas. Qualquer simpatizante das idéias francesas era alvo da perseguição implacável de Manique sob ordem dos Bragança (Dona Maria I, e Dom João).


Mas, aliar-se à Inglaterra? Um país cismático, protestante; não é isso errado tanto quanto seria aliar-se à Napoleão? Bom... dois pontos: Terá sido errado que Inocêncio XI, beatificado por Pio XII, tenha preferido ajudar financeiramente a Guilherme de Orange e Maria II, a derrubar Jaime II, que era católico? Tavez porque o papa preferisse uma Rainha que manteria a Inglaterra como um país monárquico, do que um rei que sendo católico, levaria o país à ruína e à uma possível república. Diante de tais possibilidades, era melhor um monarca protestante do que uma república. Segundo: Pio VII havia se pronunciado sobre o bloqueio continental à Inglaterra, e foi desfavorável à essa medida de Napoleão.



Diante do ultimato de "ou aderir o bloqueio ou os Bragança jamais reinarão novamente na Europa dentro de dois meses", sabendo que não era pecado fazer aliança puramente polítca com uma nação cismática, além do que, a aliança com Inglaterra existia desde que D. Afonso Henriques de Borgonha, pai do primeiro Rei de Portugal, recebeu ajuda de Ricardo Coração de Leão contra os mouros, consolidando-se com o casamento de Felipa de Lancaster com D. joão I, Mestre de Avis, e diante das ameaças de Napoleão, contra o qual era inútil lutar, o melhor era usar da terceira opção que ele secretamente tinha.



Há mais de 200 anos era plano estudado pelas cortes uma eventual fuga da família Real ao Brasil, donde poderia governar com pleno poder. Não foi uma to de covardia, e sim um plano cuidadosamente planejado. Dom João não era covarde, apenas sabia que "ninguém está obrigado ao heroísmo pra se salvar", como diz Santo Tomás.



Ele não tinha medo de manter as políticas do Chefe de Polícia, mas para não estragar seus palnos de enganar Napoleão, despediu Manique, isso foi em 1807, às vésperas de tomar a decisão final. Despedindo Manique, Napoleão pensaria que logo Portugal seria aliado da França. Foi uma rdil que não implica em mudança de idéias. Foi em 30 de novembro que Dom João mudou-se com toda a família Real para o Brasil, chegando aqui em janeiro de 1808, Napoleão se lembraria dele nas memórias escritas no exílio da Ilha de Santa Helena, dizendo: "Foi o único que me enganou."



As políticas anti-maçõnicas, anti-revolucionárias e anti-liberais de Dom João continuariam aqui no Brasil. Já deixara um governador inglês para amnter Portugal livre de Napoleão, e em um reprochhe audaz, deu ao Príncipe do Brasil, um brasão de armas com escudo inglês e, louros, tal qual os da Vendeia. Sim. Dom João conhecia a Vendeia, como toda a Europa conheceu desde que Athanase de la Charrette passou a se correponder com Luiz XVIII. Não é de admirar que quando trouxe a missão artística, tenha pedido a Debret um brasão semelhante ao usado pela "Armée Royale et Catholique". Mas, não é o brasão apenas que nos faz pensar que ele repreendia Napoleão... Dom João aborrecia o liberalismo e a revolução. Quando sua mãe morreu, tendo sido corado Rei do Brasil, Portugal e Algarves com o nome de Dom João VI, tão logo pôs a cora na cabeça teve que reprimir os maçons de Pernambuco que queriam proclamar uma república e a independência, isso lá em 1816.



Ele era sagaz, e sabia que a independência, a emancipação, era um processo natural até. Foi assim que a Europa foi se formando, com a independência de Portugal, da França, de Nápoles como braços vassalos e por fim autónomos do Império Romano Germânico. Percebendo no entanto que a maçonaria e os liberais iriam proclamar republiquetas e ameaçariam a soberania e a unidade da colónia, ele preferiu programar a independência, e deixou instruções claras a seu filho quando partiu para Portugal em 1821: "Meu filho toma a coroa, antes que a tomem de ti estes aventureiros."



Não foi de todo errado, aliás, não foi nenhum pouco errado, quando Dom Pedro I, cumpriu as ordens do pai e proclamou a independência em idos de Setembro de 1822.



Não temos que nos corar de uma independência tão bem planejada e dada por um monarca católico, perseguidor da maçonaria e zombador de Napoleão. Independência que sua mulher invejou e até tentou dar à Argentina (parece-nos que chegou a trocar correspondência com San Martín, para fazer-se rainha da Argentina. Na qualidade de irmã de Fernando VII, seria até mais natural se assim a Argentina conseguisse sua emancipação); independência que Dom Pedro I tentou contribuir que se desse ao México, quando entregou sua filha como consorte a Maximiliano I; independência que até Garcia Moreno queria imitar, sim Garcia Moreno, era monarquista, e queria um herdeiro de Carlos IV para o reino do Equador.



Se foi à Portugal jurar á Constituição, tampouco pecou... Luiz XVI também jurara uma Constituição... pouco antes da Revolução proclamar a República. quiçás ele pensasse que ia ao matadouro, tal qual o mesmo Luiz XVI quando voltara de Versailles para Paris. Assim Dom João VI ia como ovelha ao sacríficio pensando que ia encontrar o mesmo destino. Mas sobre constituição e constitucionalismo, e o que se passou lá em Portugal com a volta do Brasil, falaremos quando discorrermos sobre Dom Pedro I.


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"1808", Laurentino Gomes, Editora Planeta, 2009, 3º edição.


O autor, que não é historiador, apenas reforça os preconceitos históricos gerados pela maçonaria, tachando o rei de obscurantista, medroso, glutão, indeciso, carola e demais lugares comuns em voga. Contudo, resgatou citações preciosas apra este artigo, aqui colocadas entre parêntesis. Foram tiradas das páginas 62, 80 e 282.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

DOM ANTÔNIO MACEDO E COSTA, LIBERAL?




Essa é a mais nova tirada dos pseudo-católicos monarquistas na Internet. Confrontados com a visível amizade existente entre D. Antônio de Macedo Costa e D. Pedro II, bem como com o título de Conde de Belém dado ao prelado pelo Imperador, essa gente agora parte para uma nova acusação: D. Antonio era liberal e por isso os dois eram amigos.


Alguma base? Citam uma frase do Prelado, datada de 1863, em sua "Memória apresentada a S.M. ...o Imperador " protestando contra a ingerência do poder civil na diração dos seminários, a propósito da qual manteve polêmica com o ministro Marquês de Olinda. Sustentava que "a grande causa da liberdade religiosa "tem por base" a separação dos dois poderes, temporal e espiritual".


Na verdade, o bispo protesta aí contra a aplicação do "placet", não só às medidas disciplinares, mas ainda às definições dogmáticas. Lendo só isso, até poderia parecer "liberalismo", mas vejamos como reagiu o grande Bispo 37 anos depois.

"Logo em dezembro de 1889, o Ministro Demérito Ribeiro apresentou um projeto de separação dos dois poderes, orientado pelos princípios comtistas. Deodoro da Fonseca, no entanto, já estava a par dos contactos entre Rui Barbosa, vice-chefe do Governo, e seu antigo professor com o qual sempre conservara relações pessoais. Os entendimentos estão documentados por bilhetes e uma extensa e notável carta em que D. Antonio expõe seus princípios LINHAS AMPLAMENTE LIBERAIS ( carta de DAMC ao Conselheiro Rui Barbosa, de 22 de dezembro de 1889, in " Lutas e Vitórias" de F. de Macedo Costa, 1916)."

Mas, mais adiante, " Mas a 6 de agosto, é ainda ele que redige uma reclamação ao Chefe de Governo. A Igreja confiara na segurança de liberdade. No entanto, no próprio decreto de 7 de janeiro e no Projeto de Constituição, ainda havia matéria que oprimia a consciência católica : a exclusão de toda relação oficial com o Estado, e mesmo do nome de Deus; a total laicização do ensino público; a falta de dotação para o culto; a exclusão da Companhia de Jesus; a proibição das novas ordens religiosas; a manutenção de legislação chamada de " mão morta", que impedia a Igreja de dispor de seu patrimônio. Protesta, finalmente, contra a legislação sobre o casamento, especialmente contra a cláusula que obrigava o ato civil a preceder o religioso.

No mesmo sentido é a reclamação apresentada à Constituinte, a 12 de janeiro de 1891, contra as restrições que ainda peavam a ação da Igreja no projeto constitucional E CONTRA O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO TOTAL, E NÃO A CONCORDATÁRIA, PRECONIZADA PELA IGREJA."

Nada do que lemos acima sugere qualquer liberalismo por parte de DAMC. O que vemos, á luz do ensinamento da Igreja, é apenas uma proposta de definição de esferas de competência visando um arofundamento das relações entre a Igreja e o Estado.









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Ver pp. 132-133 de "A Questão Religiosa" in "Ensaios Brasileiros de História de Américo Jacobina Lacombe", volume 385 da Brasiliana. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1989.

sábado, 1 de outubro de 2011

Gustavo Corção e a Monarquia

Gustavo Corção e a Monarquia


Gustavo Corção escreveu uma série de belos artigos de caráter memorialístico, lembrando algumas figuras que o marcaram quando menino. Num deles, publicado no dia 5 de dezembro de 1974, recorda Seu João Martins Duarte, jardineiro português, que serviu à sua família:

Vejo-o plantado no centro de nossa sala de jantar, enorme, braços abertos a trovejar:

- Ora que desgraça minha Senhôra, que grande desgraça!

Mamãe interrompendo um bolso de colete, sorria para tranquilizá-lo e dizia :

- Vamos vivendo, seu João, vamos vivendo, e como vê as crianças estão vivas e fortes.

- Estão lindas, exclamava ele com a fisionomia iluminada, e logo subitamente franzida numa tristeza secreta.

- E o senhor? Como deixou sua gente em Portugal?

Seu João soltou então um grande rugido que a custo reprimia.

- Ai, minha senhôra, os maçons mataram nosso Rei, e mais o Príncipe Luiz. Estamos sem Rei. É uma desgraça, uma grande desgraça...

E para bem exprimir seus sentimentos, Seu João, no tom mais respeitoso do mundo, soltava palavrões (...). Foi nesse tempo que ouvi as lições de uma insuspeitada sabedoria que naquele tempo nos fazia sorrir.

Foi preciso viver 77 anos para descobrir que valeu a pena prestar ouvido as palavras aladas de seu João. Sobretudo as que exprimiam a sua filosofia política.

Uma noite resolvi enfrentar seu máximo furor, e perguntei-lhe porque se apegava tanto à monarquia e tanto se enfurecia contra a república. Com palavras e argumentos precoces para meus nove anos de menino vivo nascido numa república, tentei confundir o lusitano perguntando-lhe porque razão fazia questão de um Rei.

Erguendo seus quase dois metros de altura, e ainda avantajando com os braços enormes atirados ao teto, seu João soltou um rugido de leão flechado; mas depois começou a falar pausadamente.

O menino era muito novo; a experiência da vida é que ensina. Ora, o que ela ensina é que, para governar um povo nada se inventou melhor do que um Rei. E seu João repetia com uma voz grave e lenta : "Um RRRei! Sim, meu menino, um Rei".

Sentando-se com as mãos nos joelhos, debruçado e didático prosseguiu:

- O que está lá e se diz presidente, o tal de Bombardino Rachado (Bernardino Machado), sai à rua com um guarda-chuva e diz que é igual a um de nós, pedreiro como eu ou carpinteiro como José. Ora mìo mìnino, se ele é igual a João Martins Duarte, pedreiro, como é que pode governar Portugal?

E depois de uma pausa para meditação seu João me deixou cravado na memória esse argumento sublime e definitivo:


- Naquele tempo (o da monarquia) mìo mìnino, quando Sua Majestade saía de seu Palácio de Viçosa, quem estivesse nas ruas, alçava-se nas pontas dos pés, quem estivesse nas lojas assomava à porta, quem estivesse em casa chegava à janela, a GENTE VIA O REI PASSAR".

Naquele tempo o menino de 9 anos ria-se do fantástico argumento de seu João Martins Duarte e precisou viver 77 anos para desconfiar que se ria com riso errado.