sábado, 7 de julho de 2012

CAÇADORES DE UNICÓRNIO - II


I) É necessário crer que a Monarquia é, conforme a doutrina da Igreja, o melhor dos regimes


Primeiramente queiram nos desculpar os leitores com a demora do segundo artigo da série para elucidar nossas posições e refutar as afirmações de católicos pseudo-tradicionais que sob a desculpa de fidelidade ao Reinado Social de Nosso Senhor, pretendem reduzir este reinado à uma expectativa milagrosa, se tornando semelhantes aos modernistas que o reduzem à inoportunidade. Eis então à lume o nosso segundo artigo da série, que não pretende esgotar o assunto, mas antes fornecer ao leitor os primeiros princípios da inteligência sobre o assunto.


Pode parecer estranho à mentalidade moderna que a Igreja Católica se pronuncie em questões aparentemente meramente políticas como as formas de governo. Para a mentalidade moderna religião e política, Igreja e Estado, não devem se ocupar um com os assuntos do outro. No entanto, temos que as relações com a Igreja e o Estado são utilíssimas, para alcançar os fins do Estado, que é o bem comum, e o da Igreja que é a salvação das almas. É isto que se depreende da leitura atenta da Encíclica Immortale Dei de Leão XIII: “Deus dividiu, pois, o governo do gênero humano entre dois poderes: o poder eclesiástico e o poder civil; àquele preposto às coisas divinas, este às coisas humanas. Cada uma delas no seu gênero é soberana; cada uma está encerrada em limites perfeitamente determinados, e traçados em conformidade com a sua natureza e com o seu fim especial. Há, pois, como que uma esfera circunscrita em que cada uma exerce a sua ação “iure próprio”. Todavia, exercendo-se a autoridade delas sobre os mesmos súditos, pode suceder que uma só e mesma coisa, posto que a título diferente, mas no entanto uma só e mesma coisa, incida na jurisdição e no juízo de um e de outro poder. Era, pois, digno da Sábia Providência de Deus, que as estabeleceu ambas, traçar-lhes a sua trilha e a sua relação entre si. “Os poderes que existem foram dispostos por Deus” (Rom 13, 1). Se assim não fora, muitas vezes nasceriam causas de funestas contenções e conflitos e muitas vezes o homem deveria hesitar, perplexo, como em face de um duplo caminho, sem saber o que fazer, em conseqüência das ordens contrárias de dois poderes cujo jugo em consciência ele não pode sacudir. Sumamente repugnaria responsabilizar por essa desordem a sabedoria e a bondade de Deus, que, no governo do mundo físico, todavia de ordem bem inferior, temperou tão bem umas pelas outras as forças e as causas naturais, e as fez harmonizar-se de maneira tão admirável, que nenhuma delas molesta as outras, e todas, num conjunto perfeito, conspiram para a finalidade a que tende o universo. Necessário é, pois, que haja entre os dois poderes um sistema de relações bem ordenado, não sem analogia com aquele que, no homem, constitui a união da alma com o corpo. Não se pode fazer uma justa idéia da natureza e da força dessas relações senão considerando, como dissemos, a natureza de cada um dos dois poderes, e levando em conta a excelência e a nobreza dos seus fins, visto que um tem por fim próximo e especial ocupar-se dos interesses terrenos, e o outro proporcionar os bens celestes e eternos.
Assim, tudo o que, nas coisas humanas, é sagrado por uma razão qualquer, tudo o que é pertinente à salvação das alas e ao culto de Deus, seja por sua natureza, seja em relação ao seu fim, tudo isso é da alçada da autoridade da Igreja. Quanto às outras coisas que a ordem civil e política abrange, é justo que sejam submetidas à autoridade civil, já que Jesus Cristo mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Tempos ocorrem às vezes, em que prevalece outros modo de assegurar a concórdia e de garantir a paz e a liberdade; é quando os chefes de Estado e os Sumos Pontífices se põem de acordo por um tratado sobre algum ponto particular. Em tais circunstâncias, dá a Igreja provas evidentes da sua caridade materna, levando tão longe quanto possível a indulgência e a condescendência.” 1
E entendemos que o próprio pontífice louvou as monarquias por terem cumprido tão perfeitamente suas obrigações terrenas sem descuidar-se de auxiliar a Igreja no cumprimento de suas obrigações celestes:
“Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos príncipes e à proteção legítima dos magistrados. Então o sacerdócio e o império estavam ligados em si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer.” 2
Por isso muitos Pontífices corroboraram com sua palavra que a monarquia é a melhor forma de governo, chegando a lamentar que como efeitos da revolução tenha surgido a república como uma forma de governo antagônica.
É o que aparentam as palavras de Pio VI, na alocução ao Consistório Secreto (17 de Junho de 1793), sobre a execução do Rei Luís XVI: "Após ter abolido a forma de governo monárquica, que é a melhor, ela [a Convenção] transferiu todo o poder público ao povo." 3 
E o Santo Padre Bento XV, como meio de restauração do Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo, apelou para a nobreza, inculcando-lhe fidelidade às suas origens para preparar-se para a obra árdua da Restauração da dignidade da religião católica. De fato são essas as suas palavras, dirigidas ao Patriciado e Nobreza de Roma: “Mas, enquanto com o digno representante do Patriciado Romano Vós reconhecíeis que "o sacerdote, à custa de qualquer sacrifício, dava-se inteiramente a
si mesmo para o bem do seu próximo", também Nós reconhecemos a existência dum outro sacerdócio, semelhante ao sacerdócio da Igreja: o da nobreza. Ao lado do "regale Sacerdotium" de Cristo, vós também, ó nobres, vos elevastes como "genus electum" da sociedade; e a vossa obra foi aquela que, acima de qualquer outra, se assemelhou e emulou com a obra do clero. Enquanto o sacerdote assistia, sustentava, confortava com a palavra, com o exemplo, com a coragem, com as promessas de Cristo, a nobreza cumpria também ela o seu dever no teatro de batalha, nas ambulâncias, nas cidades, nos campos; e lutando, assistindo, contribuindo ou morrendo – velhos e jovens, homens e mulheres – tinham fé nas tradições das glórias avoengas e nas obrigações que a sua condição impõe. (...) Com razão, pode-se dizer a esse respeito que as admoestações do Apóstolo convêm de modo admirável também aos nobres da nossa época. Também vós, dilectíssimos filhos, tendes a obrigação de andar adiante dos outros com a luz do bom exemplo "in omnibus te ipsum praebe exemplum bonorum operum". Em todos os tempos urgiu aos nobres o dever de facilitar o ensinamento da verdade e "in doctrina"; mas hoje, quando a confusão das ideias, companheira da revolução dos povos, fez perderem-se, em tantos lugares e por parte de tantas pessoas, as verdadeiras noções do Direito, da Justiça e da Caridade, da Religião e da Pátria, cresceu ainda mais a obrigação dos nobres de empenhar-se em fazer voltar ao patrimônio intelectual dos povos estas santas noções, que nos devem dirigir na atividade quotidiana (...) Oh! como Nos é doce, como é suave contemplar os admiráveis efeitos desta bem augurada continuidade. A vossa nobreza, então, não será considerada como sobrevivência inútil de tempos passados, mas como fermento reservado para a ressurreição da corrupta sociedade: será farol de luz, sal de preservação, guia dos que erram; será não só imortal nesta terra, onde tudo, e mesmo a glória das mais ilustres dinastias fenece e entra em ocaso; mas será imortal no Céu, onde tudo vive e se deifica com o Autor de todas as coisas nobres e belas.” 4
Pio XII, em sua Alocução à Guarda Nobre em 1939, faz o mesmo raciocínio que Bento XV, usando de expressões de Leão XII: "Nobres, vós o éreis antes mesmo de servir a Deus e ao seu Vigário sob o estandarte branco e ouro. A Igreja, a cujos olhos a ordem da sociedade humana repousa fundamentalmente na família, por humilde que seja, não subestima o tesouro que é a nobreza hereditária. Pelo contrário, pode dizer-se que o mesmo Jesus Cristo não a menosprezou: o varão ao qual foi confiado o encargo de proteger a sua adorável Humanidade e a sua Mãe Virginal era de estirpe régia: `José, da Casa de David' (Lc. 1, 27). E foi pela mesma razão que o Nosso Antecessor Leão XII, no Breve de reforma do Corpo de 17-2-1824, atestou que a Guarda Nobre é `destinada a prestar serviço mais próximo e imediato à Nossa mesma Pessoa e constitui um Corpo, o qual, tanto pelo fim para que foi instituído, quanto pela qualidade dos indivíduos que o compõem, é a primeira e a mais respeitável das armas do Nosso Principado.'" 5

Mas não basta que os dirigentes do Estado auxiliem a Igreja? Acaso a Igreja pode propor algum regime político como o melhor? Não é isso uma daquelas matérias sobre as quais a Igreja não possua infalibilidade, já que não é matéria de Fé, nem de Moral?
Antes de falar diretamente sobre isso voltemos ao fundamento da política, que é a filosofia. Tomemos as palavras de Theobaldo Miranda Santos: “Na concepção aristotélica a filosofia é a ciência de tudo o que existe e compreende três ordens de conhecimentos: 1) conhecimentos teóricos, que visam a pura especulação – física, matemática, metafísica; 2) conhecimentos práticos, que têm por fim dirigir a ação – ética e política; 3) conhecimentos poéticos, que tem por fim dirigir a produção, isto é, as obras humanas, poética, retórica e outras artes.” 6
Provado que a política diz respeito à filosofia, falta-nos determinar se é ocupação da Igreja se ocupar com a filosofia. Para tanto nos usemos das palavras do papa Leão XIII: “como, segundo o aviso do Apóstolo, “pela filosofia e vã falácia” (Col II,18) são muitas vezes enganadas as mentes dos fiéis cristãos e é corrompida a sinceridade da fé nos homens, os supremos pastores da Igreja sempre julgaram ser também próprio de sua missão, promover, com todas as forças, as ciências que merecem tal nome e a um só tempo zelar, com singular vigilância, para que as ciências humanas fossem ensinadas por toda parte, segundo a regra da fé católica, e, em especial, a filosofia, da qual, sem dúvida, depende em grande parte o reto ensinamento das demais ciências.” 7
A Igreja então se preocupa com a filosofia porque entende que “se está são o entendimento do homem e se apoia em princípios sólidos e verdadeiros, produzirá muitos benefícios de utilidade pública e privada.” 8
Tendo então essa conexão com a Fé (entendimento são) e com a Moral (finalidade da ação humana), é portanto próprio da Igreja tomar a filosofia e por consequência a política, enquanto filosofia prática (benefícios de utilidade pública), como matéria de seus ensinos infalíveis, ou meramente autênticos.
Por isso estabeleceu-se como própria da Igreja Católica a filosofia de Santo Tomás, pois nenhuma outra filosofia torna o entendimento do homem mais são e nem o apoia em melhores princípios conforme conclui o mesmo Pontífice Leão XIII, na encíclica que restaurou o ensino tomista nas universidades e seminários católicos: “Agora bem: entre os Doutores escolásticos, brilha grandemente Santo Tomás de Aquino, Príncipe e Mestre de todos, o qual, como adverte Caetano, “(...) por haver venerado profundamente os antigos Doutores sagrados, obteve, de algum modo, a inteligência de todos”. Suas doutrinas, como membros dispersos de um corpo, reuniu-as e congregou-as Tomás, dispondo-as com ordem admirável, e de tal modo enriqueceu-as com novos princípios que, com razão e justiça, é considerado como defensor especial e honra da Igreja Católica.” 9
Sendo assim, nada melhor, que estabelecida a necessidade que tem o fiel católico de aderir o pensamento de Santo Tomás, utilizar da própria sabedoria de Santo Tomás para demonstrar qual seja a melhor forma de governo:

De como é melhor que a multidão se governe por um só do que por muitos.

Isto posto, cumpre indagar o que mais convém ao país ou à cidade: ser governado por muitos ou por um só. E isto se pode considerar a partir do próprio fim do governo. Deve ser a intenção de qualquer governante o procurar a salvação daquele cujo governo recebeu. Pois, compete ao piloto conduzir ilesa ao porto de salvamento a nave, guardando-a contra perigos do mar. Ora, o bem e salvamento da multidão consorciada é conservar-lhe a unidade, dita paz, perdida a qual, perece a utilidade da vida social, uma vez que é onerosa a si mesma a multidão dissensiosa. Por conseguinte, o máximo intento do governante deve ser o cuidar da unidade da paz. Nem é reto deliberar ele a não ser que produza a paz na multidão a ele sujeita, como não o é para o médico, a não ser que cure o enfermo a ele confiado. Realmente, ninguém delibera do fim que deve perseguir, mas sim do que se ordena ao fim. Daí dizer o Apóstolo (Ef 4,3), depois de recomendar a unidade do povo fiel: “Sede solícitos em conservar a unidade do espírito no vínculo da paz”. Assim, tanto mais útil será um regime, quanto mais eficaz for para conservar a unidade da paz. Dizemos, de fato, mais útil aquilo que melhor conduz ao fim. Ora, manifesto é poder melhor realizar unidade o que é de per si um só, que muitos, tal como a mais eficiente causa de calor é aquilo que de si mesmo é quente. LOGO, É O GOVERNO DE UM SÓ MAIS ÚTIL QUE O DE MUITOS.
Além do mais, é claro que muitos não governam de modo algum a multidão, se dissentirem totalmente. Assim, requer-se, em muitos, certa união para poderem, de algum modo, governar; porquanto muitos nem poderiam levar um navio para uma parte, a não ser que dalguma forma conjuntos. Mas diz-se que muitos são um pela aproximação deles a um só. Portanto, melhor governa um só, do que muitos, por aproximação de um. Mais ainda: o mais bem ordenado é o natural; pois, em cada coisa, opera a natureza o melhor. E todo regime natural é de um só. Assim, na multidão dos membros, há um primeiro que move, isto é, o coração; e, nas partes da alma, preside uma faculdade principal, que é a razão. Têm as abelhas um só rei, e em todo o universo há um só Deus, criador e governador de tudo. E isto é razoável. De fato, toda multidão deriva de um só. Por onde, se as coisas de arte imitam as da natureza e tanto melhor é a obra de arte, quanto mais busca a semelhança da que é da natureza, importa seja o melhor, na multidão humana, o governar-se por um só. Também as experiências o testemunham. Pois, laboram em dissensões e flutuam sem paz os países ou as cidades que não se governam por um só, a fim de se ver o cumprimento daquilo de que se queixa o Senhor pelo Profeta (Jr. 12,10), dizendo: “Os muitos pastores arruinaram a minha vinha”. Ao contrário, porém, os países e as cidades, dirigidos por um só rei, gozam de paz, florescem na justiça e alegram-se com a opulência. Em virtude disso, promete o Senhor ao seu povo, pelos profetas (Jr. 30,21; Ez 34,24; 37,25; etc), como grande mercê, pôr-lhes à frente um só chefe, não havendo senão um príncipe no meio dele.”10

E de fato, Santo Tomás, observa que é mais perfeito o que melhor imita a natureza das coisas, e entre as sociedades que melhor imitam a natureza ds coisas está a Igreja, que Jesus Cristo fundou com natureza Monárquica. Isto ele observa pouco antes da citação acima:
“Além disso, não há dúvida alguma de que o regime da Igreja é otimamente ordenado, por ser disposto por aquele por quem ''os reis e os juízes distribuem a justiça'' (Pr. 8, 15). É ótimo o regime político quando o povo é governado por um só, e isto se depreende da finalidade do regime político que é a paz, pois a paz e a união dos súditos é a finalidade da ação dos governantes. Ora, um só consegue melhor a paz do que muitos. Por isso, o regime da Igreja foi disposto de modo que um só presida toda a Igreja.”11

Por estas razões cremos que o o católico deve no mínimo dar o assentimento da inteligência e, concordando com o Magistério da Igreja, sustentar que a Monarquia é em princípio a melhor forma de governo.


1. Leão XIII, "Immortale Dei", 19-20
2. Leão XIII, "Immortale Dei", 28
3. Pio VI, "Typis S. Congreg. de Propaganda Fide", Romae, 1871, vol. II, p. 17
4. Bento XV, "L'Osservatore Romano", 6 de Janeiro de 1920
5. Pio XII,  in "PNR", pág. 710
6. Theobaldo Miranda Santos, "Manual de Filosofia", Companhia Editora Nacional, 2º edição, 1958, pág. 23-24
7. Leão XIII, "Æterni Patris", 2
8. Leão XIII, "Æterni Patris", 4
9. Leão XIII, "Æterni Patris", 21)
10. Santo Tomás de Aquino, "Suma Contra os Gentios",  II, livro IV, Cap. LXXVI, n. 8-9
11. Santo Tomás de Aquino, "Suma Contra os Gentios", II, livro IV, Cap. LXXVI, n. 4)

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