CARRION ELEITO PRESIDENTE – NOVAS AGITAÇÕES POLÍTICAS –
VIUVEZ E SEGUNDO CASAMENTO
(1.864 - 1.868)
Jerónimo
Carrion foi eleito para suceder García Moreno e cercou-se de péssimos
elementos que o aconselharam a enviar este grande estadista ao Chile como
embaixador. García Moreno obedeceu e seguiu para a república do extremo sul.
Chegando ao porto de
Lima, Peru, foi ter conferência com o presidente daquela nação, antes de seguir
viagem ao Chile. Mal havia ele subido no trem, foi agredido por um tal de
Viteri, que disparou sobre ele dois tiros de revólver, com que foi levemente
ferido na testa e na mão esquerda. Antes que tivesse partido o terceiro tiro,
García Moreno tinha agarrado o braço do meliante e desviado a bala. Se bem
que dispusesse da vida do seu inimigo, por magnanimidade, contentou-se em
apenas evitar a própria morte. Que senso de inimigo ele tinha! Em Latim há duas
palavras para designar "inimigo": HOSTES e INIMICUS. A primeira
significa o inimigo da pátria e a segunda o inimigo pessoal. A estes
segundos, Cristo mandou-nos perdoar e amar (S. Lucas, VI, 35), como fez García
Moreno. Mas aos primeiros, os inimigos da Igreja, da Religião e da pátria,
devemos combater, como ele.
No Chile prestou mais um grande serviço à pátria e, concluídos todos os
trabalhos, voltou à Quito. A sua presença na capital foi o suficiente para
impedir a continuação da campanha urbinista que estava a acontecer.
A sua esposa,
Rosa Ascasubi Moreno, não lhe havia dado filhos saudáveis. Duas meninas
que lhe nasceram por volta de 1.848 e 1.850, faleceram pouco antes de completar
um ano de idade e mais outras duas gestações, que resultaram em duas
meninas natimortas, privaram o lar de Gabriel García Moreno da alegria das
crianças. Mas ele sabia que em tudo isto ia os desígnios de Deus e sabia
que era a vontade d’Ele que devia prover o lar de crianças ou privá-lo
delas. Por fim, teve que sofrer a cruz da viuvez, quando em 1.865, a sua amada
esposa, Dona Rosa, faleceu aos cinqueta e quatro anos de idade.
A virgindade é muito estimada por Deus nos jovens e nas pessoas consagradas à
Ele, como o é a castidade dos viúvos mais estimada do que o casamento. Mas São
Paulo, mesmo enaltecendo por inspiração divina a virgindade e o celibato (I
Cor., VII, 33), também disse que quem casa não peca (I Cor. VII, 28). E Gabriel
García Moreno, encontrando na sobrinha da primeira esposa, Mariana del Alcazár
y Ascasubi, a futura companheira ideal, casou-se com ela em abril de 1.866 . A
providência deu à este casal três filhas, que não chegaram a
atingir dois anos de idade, mas deu também à García Moreno, como
recompensa pelos seus esforços, um menino, Gabriel María García del Alcazár
(falecido em 1931).
GOVERNO DE ESPINOSA – CATÁSTROFE DE IBARRA – PRESIDENTE
INTERINO
(1.867 - 1.869)
Espinosa foi eleito presidente, sucedendo Carrion e com ele os liberais foram
tendo decisiva influência no Governo. Desgostoso cquanto à isso, García
Moreno retirou-se para a sua fazenda perto de Ibarra. Entretanto, nem
assim conseguiu descansar.
Na noite de 15 para 16 de agosto de 1.868, um terremoto violento abalou a
cidade de Ibarra e toda a província deste nome. A cidade tornou-se um monte de
ruínas e uma vasta necrópole. Metade da população havia sucumbido e a outra
metade, viúva ou órfã, estava no meio dos cadáveres, e ruínas, sem pão, nem
abrigo ou esperança. Para cumular tantas misérias, bandos de infames
saqueadores, espalharam-se como aves de rapina sobre carcaças, para roubar o
pouco que este povo miserável possuía e os índios da província vizinha baixaram
das montanhas, ávidos de sangue hispânico, matando os ibarrenos que
encontrassem.
O Governo teve a feliz inspiração de recorrer à Gabriel García Moreno como
o único capaz de reparar em pouco tempo tão cruel desastre. Foi nomeado chefe
civil e militar da província de Ibarra, com aplausos de toda a nação e
vitupério dos liberais, que exprobraram a escolha de Espinosa.
Gabriel García Moreno não hesitou em sacrificar a tranquilidade de que gozava
na sua fazenda. Viajou às ruínas de Ibarra com os soldados encarregados de
perseguir os salteadores e índios, enterrar os mortos, e salvar os ibarrenos
ainda vivos. Mandou castigar severamente os delinquentes, afim de lembrar ao
povo os sentimentos de justiça e respeito à autoridade. Mas foi para com os
comerciantes, que vergonhosamente especulavam com a miséria dos habitantes, que
ele se mostrou mais inexorável e em breve tempo restabeleceu a segurança, e a
ordem pública nas cidade e província de Ibarra. Para reconstruir a cidade foi
mais difícil, como dispunha de poucos recursos públicos para alimentar os
sobreviventes famintos, mandou vir comboios de sua própria fazenda e coordenou
toda a sorte de grupos voluntários. O povo o aclamava como salvador, o que
inspirou cada vez mais a fúria e o ódio satânico dos liberais de Guayaquil, e
Quito, que organizaram, frustradamente, uma campanha contra García Moreno,
difamando-o nos jornais e fazendo pequenas rebeliões para atrapalhar o
trabalho de auxílio aos ibarrenos. O próprio povo de Ibarra retrucava-os em
outros periódicos: “...nós lhe seremos devedores da nossa ressurreição social e
política...”
Dois meses apenas depois do desastre, García Moreno deixou Ibarra em estado
muito adiantado de reorganização e foi dar conta da sua missão ao
presidente, que lhe deu em nome de todo o Equador os maiores agradecimentos.
Enquanto isso, os urbinistas se preparavam para as eleições, indicando Aguirre
para a presidência. Vendo em perigo a sua pátria e o Catolicismo, Gabriel
García Moreno aceitou a sua indicação. Os liberais vendo que seriam
derrotados pela popularidade de García Moreno, tomaram o poder à força,
mas ele levantou as guarnições militares e ficou à testa do Governo como
presidente interino. Logo restabelecida a ordem, pediu demissão do cargo à
Convenção, que a rejeitou. Mas ele permaneceu firme e conseguiu com que a
Convenção elegesse o irmão de sua primeira esposa, Manuel Ascasubi, como
presidente interino. Este, por sua vez, o fez desde então assumir o Ministério
da Fazenda e o das Forças Armadas.
Como membro da Convenção, fez encher o Plenário com a sua palavra forte e
sadia, fazendo com que o Equador viesse a ter, finalmente, uma constituição
católica. A sua coragem foi mais longe quando conseguiu fazer aprovar o
dispositivo seguinte: “Todos os indivíduos que pertencem à uma sociedade
condenada pela Igreja, perdem, por isso mesmo, todos os direitos de cidadão.”
Acusado de tirano por aprovar este dispositivo da constituição, respondeu com a
sua frase lapidar: “Liberdade para todos e para tudo, exceto para o mal, e para
os malfeitores.”
PRESIDENTE DA REPÚBLICA PELA SEGUNDA VEZ – INVASÃO DE ROMA –
RETRATOS DE SUA PIEDADE
(1.869 - 1.875)
A Convenção elegeu-o presidente da República, ao que ele acedeu
resignadamente. Foi o primeiro a fazer o novo juramento: “Juro por Deus Nosso
Senhor e estes Santos Evangelhos cumprir fielmente o meu cargo de Presidente da
República, e professar a Religião Católica Apostólica e Romana!”
Novas revoluções vieram abalar o seu governo e uma conspiração foi
descoberta antes que o ferro assassino pudesse ferir o grande estadista.
Serenados os ânimos, iniciou uma série de reformas. Consolidou as finanças
e enriqueceu a sua pátria com grandes obras de engenharia.
Reorganizou o exército, dando-lhe diretrizes católicas.
A guarnição de Quito mudou de face de uma tal forma que os seus soldados
tornaram-se modelo de exatidão no cumprimento dos deveres e de piedade cristã.
Certa vez um tenente encontrou um maço de notas avultadas e, sem pestanejar,
entregou-as ao presidente, o qual mandou procurar o dono, e lhas entregou. O
dono do dinheiro ficou tão grato pela honradez do tenente que o quis
recompensar com alguma soma das notas e, por causa da honra, o tenente recusou.
Gabriel García Moreno, não hesitou em tornar aquele homem honrado capitão do
exército. Todos temiam a sua energia e fibra para punir o menor crime com
severidade, mas ao mesmo tempo amavam-no pela sua dedicação, e espírito de
justiça.
Reorganizou as instruções primária, secundária e superior nas bases do Cristianismo.
De 1.869 a 1.875 estendeu a sua ação, insistindo e trabalhando com os
bispos para a reforma do Clero. Transformou as prisões e hospitais em
verdadeiras missões à disposição dos padres dispostos a trabalhar com as almas
empedernidas pela doença ou pelo crime.
Nunca se esquecia das obras de Caridade, visitando hospitais e certificando-se
de que as pensões do Governo estavam a ser recebidas, e bem usadas e, quando
via que eram insuficientes, completava a soma com o dinheiro do
próprio bolso, como ficou evidente no episódio do jantar da primeira
presidência.
Mostrava-se sem piedade para com todos que abusavam do poder para tiranizar ou
simplesmente enriquecer às custas dos pobres e fracos. Estes, por sua vez, tão
bem o sabiam que preferiam recorrer ao presidente antes que aos tribunais.
Em qualquer parte em que andasse, cercavam-no multidões de pobres e
perseguidos a pedir justiça. Então, como São Luiz, Rei da França debaixo do
carvalho de Vincennes, escutava-os com bondade e, achando que tinham razão,
condenava o opressor. Certa vez ordenou que um soldado desse dez mil
piastras à uma mulher que as reclamava de um rico proprietário que lhas
extorquira. O soldado pagando, perguntou como reaveria esta soma aos cofres
públicos. Gabriel García Moreno indicou o nome do proprietário como devedor
destas dez mil piastras.
As tropas piemontesas invadiram a cidade de Roma a 20 de Setembro de 1.870,
violando os direitos da Igreja. O glorioso Pontífice, então reinante, Pio IX,
conservou-se firme diante dos atentados contra a sua soberania e excomungou os
invasores. Enviou à todos os governos do mundo o seu protesto contra o
desrespeito contra os direitos da Igreja. Nenhum governo teve coragem de
protestar em nome da justiça contra o atentado de Roma. Entretanto, do
pequenino Equador fez-se ouvir a voz de um homem, Gabriel García Moreno, único
chefe de governo no mundo que teve coragem de protestar contra a
invasão, se impondo à admiração dos católicos de todo o orbe pela coragem e
amor à Igreja.
Perguntaram-lhe um dia porque não levantava um teatro em Quito. Respondeu com
vivacidade: “Levantem-no os ricos, os nobres, não me oponho; mas a Nação é
pobre e faltaria à minha consciência se me atrevesse a desviar os escassos
fundos públicos, privando a todo o povo do honesto, necessário, e útil para
empregá-lo no acessório e deleitável. O povo trabalhador não quer, nem pede
teatros; o que ele quer, e com razão, é não despenhar-se nos abismos com
os seus animais de carga no trajeto entre Quito e Guayaquil.”
Entre todas as virtudes que nele brilharam, aquela que mais naturalmente
caracterizou-o foi a fortaleza de ânimo, como depreendemos de sua vida inteira.
Contudo, não era por temperamento que ele se mostrava tão forte contra os
revolucionários, contra os maus e contra si mesmo, era para obedecer à voz
imperiosa de sua consciência reta, e esclarecida. Era por amor ao dever, o que
os seus pais lhe ensinaram desde a meninice. Era porque a sua
fortaleza estava acompanhada de prudência cristã, a qual ensinava a fazer em
tudo passar os direitos de Deus e da Igreja antes dos direitos dos homens.
Expulsou os maus do Governo, não para reinar em lugar deles, mas para restabelecer
a ordem, salvar a pátria e fazer imperar Deus no Equador. Suportava todas as
calúnias e afrontas, quando dirigidas contra ele. Escreveu certa vez à um
religioso: “Pedi à Deus que me dê bastante força, não só para que faça bem
àqueles que por palavras e escritos derramam contra mim as torrentes de ódio,
mas ainda para que me alegre diante de Deus por ter que sofrer alguma coisa em
união com Nosso Senhor. É para mim uma felicidade e uma honra imerecida ter que
suportar os insultos da revolução, em companhia das ordens religiosas, dos
bispos e do próprio Sumo Pontífice.”
O povo, por sua vez, o admirava profundamente. Diziam uns bons lavradores,
junto dos quais ia ele às vezes descansar: “Quando o presidente vinha viver
conosco, como um particular, certo é que nos corrigia e castigava, mas era um
santo: pagava-nos bem, nos premiava, rezava conosco o Rosário, explicava-nos o
Evangelho, nos fazia ouvir a Missa e nos preparava para a Confissão, e
Comunhão. Então, havia paz e abundância nestes campos, porque só a presença do
presidente desterrava os vícios.”
Fossem quais fossem as suas ocupações, fazia todos os dias trinta
minutos de meditação com os seus livros favoritos, o Evangelho e a Imitação de
Cristo. Nunca deixou de fazer os exercícios espirituais de Santo Inácio de
Loyola. Concebeu assim essa tão grande idéia da majestade de Deus e repetia
sempre que estava atribulado: “Deus não morre!” A Deus sempre atribuía todos
os bens que fazia. Certa vez no Congresso, depois de dar contas dos
progressos realizados, disse: “Se falo destes felizes resultados, não é para
glória minha, mas para a glória d'Aquele à Quem tudo devemos e à Quem
adoramos como nosso Redentor, nosso Pai, nosso Salvador e nosso Deus.”
Tinha grande respeito pelos sacerdotes. Certa vez um capuchinho
apresentou-se à ele com o solidéu na mão: “Cobrí-vos, padre!” – disse o
presidente, tirando o chapéu. “Um pobre religioso, redarguiu o padre, não pode
estar de cabeça coberta diante do presidente da República!” Ao que García
Moreno respondeu: “Não, padre, o chefe do Equador nada é na presença de um
sacerdote do Altíssimo!” E ele mesmo colocou o solidéu sobre a cabeça do frade.
Para darmos ideia adequada da firmeza da sua Fé, nada podemos dar mais probante
do que as resoluções que ele escreveu na última página de sua Imitação de
Cristo:
“Todas as manhãs farei a oração e pedirei particularmente a virtude da
humildade. Todos os dias assistirei a Missa, rezarei o Rosário, lerei um
capítulo da Imitação e este regulamento. Cuidarei em me conservar o mais
possível na presença de Deus, sóbrio das conversas, afim de não dizer palavra
alguma demais! Oferecerei muitas vezes o meu coração à Deus,
principalmente no começo das minhas ações. Direi cada vez que soar a hora:
"Sou pior do que um demônio e o Inferno devia ser a minha morada!"
Estando no meu aposento, nunca rezarei sentado, podendo fazê-lo em pé.
Fazer atos de humildade, beijar a terra, desejar toda a sorte de humilhações,
alegrar-me, quando censurarem a minha pessoa ou os meus atos. Nunca falar
de mim, a não ser para confessar os meus defeitos e faltas. Todas as manhãs
porei por escrito aquilo que tiver de fazer no dia. Observarei escrupulosamente
as leis em todos os meus atos. Confessar-me-ei todas as semanas. Não passarei
mais de uma hora a jogar e nunca antes das oito horas da noite.”
Gabriel García Moreno sempre seguia à risca esse regulamento. Acolitava à
Missa, preparando ele mesmo os paramentos para o uso do padre. Rezava o
Rosário com a família e os empregados, e hóspedes de sua casa. Ensinava o
Catecismo aos criados. Nunca faltava aos Ofícios de domingo. Visitava
frequentemente o Santíssimo Sacramento. Comungava todos os domingos e, às
vezes, durante a semana. Quando levavam o Santíssimo à algum doente, ele
apressava-se a levar uma vela acessa para acompanhar o seu Senhor, entre a
multidão em procissão, como mais um popular.
Depositava suma confiança em Nossa Senhora, como denota a proclamação da Virgem
das Mercês como patrona do Equador, após a sua vitória em Guayaquil.
Trazia sempre o escapulário e o terço, que rezava todos os dias. Quis entrar
também na CONGREGAÇÃO MARIANA, havendo, porém, em Quito duas, uma para pessoas
de distinção e certa riqueza, e outra para operários, entrou na segunda,
afirmando: “O meu lugar é no meio do meu povo!”
De sua devoção para com SÃO JOSÉ deu prova inscrevendo a sua festa nos dias
feriados da nação. Mas mais notável foi a sua devoção para com o SAGRADO CORAÇÃO
DE JESUS e bem o provou pela Consagração da República à Ele. Essa consagração
lhe valeu a coroa do martírio!
Continua...
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