IV)
NENHUMA FORMA DE GOVERNO PODE SER CONSIDERADA INTRINSECAMENTE LIBERAL
"É mais breve e rápido
escrever heresias que responder a elas." Com esta frase de S. Tomas More
principiávamos há quase dois anos esta série, que pretende ser um ensaio
elucidativo sobre as questões políticas, históricas, e principalmente
religiosas, que sempre se levantam de tempos em tempos entre católicos
monarquistas, e católicos ainda politicamente vacilantes quanto à forma de
governo.
Prometemos nesta quarta parte
demonstrar que “Nenhum tipo de monarquia pode ser considerado intrinsecamente
liberal”, contudo, entre os estudos e pesquisas sobre o tema, pudemos perceber
que o liberalismo está imbuído e permeia a Revolução, e definirá as diretrizes
da Contrarrevolução. Assim, mudamos para dizer que “nenhuma forma de governo
pode ser considerada intrinsecamente revolucionária”, por ser mais abrangente.
Então passemos às premissas de nosso ensaio, que terá papel fundamental na
sequência da série.
Primeiramente
o que é um Liberal e o que é Liberalismo.
O termo liberal estava ligado à
ideia de liberalidade, bondade, magnanimidade, e se contrapunha à avareza, como
ainda hoje ocorre nos catecismos que seguem Trento.
Com a Revolução de 1789,
baseada, excessivo dizer, no Iluminismo, o termo ‘revolução’ tomou novo
sentido, e assim também o termo ‘liberal’ como vários outros.
Nas Revoluções de 1817 ainda
não eram os revolucionários identificados como ‘liberais’. E até 1831 não
ocorre em português o termo liberal com esse sentido revolucionário. Os
revolucionários eram identificados como Iluminados, pedreiros-livres,
anárquicos, ou democratas.
Com a Guerra de Sucessão em
Portugal os partidos tomarão os termos ‘liberais’ e ‘tradicional’ como
contraposições ideológicas.
Será somente em 1860 com o
Syllabus que terá a alcunha ‘liberal’ tomado o sentido de revolucionário.
Para o Liberal “a sociedade,
como a História, (...), não está nunca constituída, mas constituindo-se. Nunca
vivemos num presente, mas sempre num gerúndio[1]”.
Há dois tipos de liberalismo, o
liberalismo radical, democrata, revolucionário,
essencialmente republicano. O liberalismo de Robespierre e dos jacobinos. Hoje
em dia é o liberalismo das esquerdas.
E há o liberalismo moderado, quase aristocrático, com profundas aparências
católicas, mas que rejeita a contrarrevolução, o tradicionalismo, identificando
este com o absolutismo e o ‘direito divino dos reis’, era o liberalismo dos girondinos,
é o liberalismo dos conservadores[2],
da assim chamada ‘direita’, ligada estreitamento ao liberalismo econômico.
O conservador poderá até
aceitar a monarquia, pois “para o liberalismo moderado o Rei é apenas um
elemento do Estado com uma função determinada e relevante[3]”.
Para José Honório Rodrigues “o
que caracterizou o espírito conservador foi sempre a consciência clara e lúcida
de ser a classe dominante[4].”
Mas distamos do pensamento deste historiador, visto que, influenciado por
Hegel, ele identifica o conservadorismo com a burguesia, o que não se verifica
sempre. Há conservadores de classes sociais diversas. Eis porque ele é mais
feliz na assertiva posterior, da qual descartamos o interesse puramente econômico.
Segundo ele o conservador idealiza a
“continuidade
entre o passado e o presente. Por isso ele era e é sempre contra as revoluções,
porque elas rompem essa continuidade, e trazem grandes riscos à sua posição
econômica, social e às vezes política. Mas ele não é um contrarrevolucionário,
porque este quer a contrarrevolução. O que ele queria e quer é a manutenção das
estruturas essenciais, embora com algumas inovações. Ele não queria que se
destruísse o estabelecido tradicionalmente, embora também não fosse um
tradicionalista porque não estaria voltado para o passado; vivia o presente.
Era empírico, pragmático, não aceitando soluções abstratas e teóricas. O
essencial era conservar e só mudar o que fosse indispensável, e assim mesmo de
forma gradual[5]”.
No entanto, podemos observar,
que apesar de não ser contrarrevolucionário, nem revolucionário, o conservador
poderá auxiliar um lado ou outro, conforme veja vantagens ou se identifique com
o ideal proposto quer pelo revolucionário liberal, quer pelo
contrarrevolucionário tradicionalista. Assim, a ação de conservadores poderá
reverter, ou estancar os efeitos de uma revolução, pelas concessões que os
conservadores fazem aos contrarrevolucionários, tanto quanto podem promover a
própria revolução, como fizeram os conservadores que deram início ao
constitucionalismo em Portugal (os vintistas), cedendo às reivindicações dos
revolucionários. Por isso lhes cabe a classificação de liberais moderados.
Mareschall dizia que os
liberais do Brasil não eram democratas[6],
então tais liberais são o que se chamam de conservadores e dentre eles o mais
eminente foi José Bonifácio de Andrada e Silva.
O conservadorismo e a Independência
José Bonifácio, estava imbuído
das ideias de Rousseau. Quis que D. Pedro assumisse o título de Imperador antes
de reunida a Assembleia Constituinte para que este não ficasse dependente
desta, visto que não havia nenhuma autoridade superior emanando da vontade do
povo, o que faria a Assembleia carecer de representatividade.
Para os conservadores da linha
de Bonifácio, então, “o Imperador faria parte essencial da representação
nacional e haveria um verdadeiro pacto entre o povo e o soberano”[7].
Tal pensamento pode até ser ajustado dentro do tomismo, como muitos o tentaram
fazer em Portugal durante a Revolução Pombalina, e no Brasil com a
Inconfidência Mineira, mas não falaremos disto ainda.
Foi Bonifácio que usando de
suas atribuições como ministro de D. Pedro I impediu a vinda dos Carbonários ao
Brasil e alimentou a maçonaria brasileira de um sentimento conservador (tal
qual definido acima) que levou D. Pedro mesmo a fechar todas as Lojas Maçônicas
do Brasil e fundar com Bonifácio o “Apsotolado”, cujos fins eram consolidar o
Império e a independência e barrar todas as atividades do Grande Oriente.
José Honório Rodrigues percebe
bem que a doutrina política de José Bonifácio é mais do que uma adaptação
rousseauista à realidade brasileira, é uma aplicação dos conceitos de Locke e
Burke. É uma tentativa de organizar a política com responsabilidades limitadas
e separação de poderes, fazendo da política o meio pelo qual o liberalismo alcança
as reformas na sociedade: é liberdade e ordem.
Dom Pedro I e a Contrarrevolução
Não podemos também deixar de
dizer que houve contrarrevolucionários
no nosso processo de Independência. Houve padres e leigos que eram monarquistas
ferrenhos, que apregoavam uma emancipação do nosso país para que este se
tornasse a capital do Império Lusitano. Outros eram absolutistas que queriam
transformar nosso país num reino cristão.
Enquanto um frade carmelita,
Frei Caneca, criava um foco revolucionário republicano no nordeste, cresciam,
em lugares deixados ao rodapé da História da Independência, absolutistas que
aceitavam a independência e aconselhavam o Imperador a frear a Revolução.
Assim Dom Pedro I o fez. Fechou
a Assembleia Constituinte com força de armas, exilou José Bonifácio, e
aconselhado pelo outro Andrada, aderiu à teoria do Poder Moderador, única capaz
de subsistir naquele foco de tensões revolucionárias e contrarrevolucionárias.
Se lhe era legítimo tornar o
país independente? A isso Dom João VI nos respondeu porque lhe disse: “Se hei
de perder o Brasil, que seja para ti que me há de respeitar. Toma a coroa antes
que lha tomem algum destes aventureiros.” Era a ordem paterna que seguia, e tão
logo tornou o país independente o consagra a Nossa Senhora Aparecida.
Permaneceram e usaram-se
estruturas liberais? Sim. Mas a representação partidária, o Conselho de Estado,
e o Poder Moderador seriam armas manejáveis por católicos no futuro, como de
fato muitas vezes foram. Teve o Imperador que frear muito os liberais até o não poder mais contê-los em 1831, quando as circunstâncias o forçaram a ser ilegítimo rei de Portugal e a tentar fazer lá o que havia feito aqui. Mas isso já é outra história, que envolve os monarquistas portugueses, e na qual não vemos por que nos metermos.
[1] HONÓRIO
RODRIGUES, José, “Independência, Revolução e Contra-Revolução, vol. 1: Evolução
Política”, Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1975, Pág. 32
[2] E
neo-conservadores
[3] HONÓRIO
RODRIGUES, José, “Independência, Revolução e Contra-Revolução, vol. 1: Evolução
Política”, Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1975, Pág. 32
[4] HONÓRIO
RODRIGUES, José, “Independência, Revolução e Contra-Revolução, vol. 1: Evolução
Política”, Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1975, Pág. 40
[5] HONÓRIO
RODRIGUES, José, “Independência, Revolução e Contra-Revolução, vol. 1: Evolução
Política”, Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1975, Pág. 41
[6] HONÓRIO
RODRIGUES, José, “Independência, Revolução e Contra-Revolução, vol. 1: Evolução
Política”, Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1975, Pág. 11
[7] HONÓRIO
RODRIGUES, José, “Independência, Revolução e Contra-Revolução, vol. 1: Evolução
Política”, Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1975, Pág. 2.