terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

UM JOVEM PRÍNCIPE CRISTÃO - PARTE III (FINAL)


ERA PRECISO

Estas lembranças nos mostram uma natureza elevada ao Supremo Bem por dons superiores de nascença num meio favorável. Uma personalidade não tem a docilidade de uma muda tratada com cuidados especiais por um jardineiro artista. Exige mais, necessitará sempre da colaboração do livre arbítrio contra a soma das más tendências herdadas ou, cuja insidiosa companhia até os melhores entre nós tem que combater.
Naquele rapaz de vinte anos, tão correto e educado, ninguém podia ver o menino tímido e selvagem, a quem era preciso repreender para que consentisse em se apresentar. Uma vez fugiu dum beijo de D. Amélia, Rainha de Portugal. Episódio vituperado pelo Conde D'Eu:"Onde já se viu! Negar-se a beijar a Rainha!"
- É verdade - concordava mais tarde - confesso que aquilo não foi muito delicado, sobretudo tratando-se duma Rainha!."
A razão para empreender uma ação estava justamente no grau de dificuldade que esta exigia. Ouvira isto, muitas vezes, de boca paterna, e também muitas vezes aplicou tal princípio, lembrando-se dele diretamente ou sofrendo sua ação no subconsciente. D. Luís Gastão era voluntarioso, mas com calma e dignidade; conforme a razão e não conforme o capricho.
Com 14 anos demonstrou um domínio de si superior á sua idade. Guiando sua bicicleta, seguia seu preceptor que ia guiando na calçada, e não viu um enorme Packard que vinha silenciosamente, e com a roda traseira, o atirou com sua bicleta na pedra da calçada. Os que passavam acorreram e o Conde Tyszkiewicz, julgara ser um acidente fatal, enquanto D. Luís se levantou, sacudiu a poeira e declarou querer voltar para casa. Foi elvado á Vila Maria Teresa no carro que o atropelara. Recusou ajuda para subir as escadas, e cambaleando manteve-se em pé. O médico, apenas lhe recomendou repouso, por não encontrar fraturas, e o avô Caserta, apenas lhe inspecionou, lhe disse: Isso não foi nada.
Certos episódios médicos, acrescentam ao dito anterior.
Certa feita, necessitou tirar um cisco preso á mucosa da pálpebra. Teve que revirar as pálpebras para tanto. "Este seu aluno é corajoso, padre!" - disse à Monsenhor René Delair, o médico.
Outra quando foi preciso retirar uma farpa presa à unha. V. A. I. é de uma família de bravos! - Exclamou o médico.
A mesma força de vontade, aplicava nos estudos. Qaundo reagia vilentamente contra uma matéria que lhe desgostava, com um: "Não faço mais!", logo o reprimia com um: "Que estupidez desistir assim. Vou tentar de novo.” Estupidez. Notem bem a palavra. Sempre a razão levando a vontade pelo caminho certo. Suas redações eram cobertas de rasuras e sua caligrafia pesada. Mas a linguagem perfeita, com uma ortografia francesa conquistada com muita luta.
Não procurava a glória em seus trabalhos. Só permitira que eu lêsse suas redações á D. Maria Pia por eu dar-lhe argumento razoável. A razão sempre o vencia.
Nada lhe era mais desagradável que um elogio: "Da próxima vez farei bobagem para me passar por menos inteligente e me deixarão em paz."
Classificando-se em primeiro lugar num concurso, atribuiu a vitória á facilidade do tema.
Traçava com mãos hábeis obtendo temas de muito bom gosto com aquarela. Sempre notando os defeitos e retoques apontados pelo professor. Esculpia em cera pequenos cavalos com formas precisas e elegantes, bem como em cartolina, pequenos aviões, que oferecia ao primeiro que se encantasse com eles.
Preferia no entanto o esporte, sempre deixando-o ao ser chamado. "É chato, mas era preciso.
Sem nenhum pedantismo, anunciava alegremente um: " Decidi... " E sua decisão era executada.
Consagrava horas á leitura, depois de muito esforço em adquirir o hábito de ler. Compreendera o calor desse dever intelectual, e ali encontrava novas diretivas para sua vida moral.  
Certa vez, quebrou o vidro da porta do Mas com um soco, para socorrer uma empregada vítima de um buldogue nervoso, que na escuridão do cômodo, julgara ser um gatuno surpreendido. Feriu-se na pressa e resolveu o assunto silenciando o cão. Foi essa a última ação heróica de sua vida. Socorrer uma criada devotada.

EM MEUS BRAÇOS DEUS BUSCA SUA ALMA

Filho da graça, ainda que com simplicidade , nosso príncipe foi um perfeito filho do dever. Não procurava o extraordinário. Sem esforço passava do humano ao divino. Deixava os heróis épicos cujos feitos traduzia do latim para o francês, pelo campo de tênis, retirando-se em sua casa, para o oratório familiar para rezar, ali, o terço. Com pequenos atos cotidianos preparava a eternidade.
Com ele estava a graça do nascimento, do nascimento batismal.
Ecutava e aprendia a doutrina cristã, reservando para ela o melhor da sua aplicação.
A Época da Primeira Comunhão chegou. Guiado por um excelente religioso carmelita, amigo da família (Fr. Constantino OCD), entrou nos exercícios preparatórios sem constrangimento, em companhia de seu irmão e sua prima Isabel. A 30 de outubro de 1918, sem choque (o natural seria morrermos ao comungar), o contato teve lugar entre o Senhor que se dava e sua pequena alma, onde a graça batismal permaneceria intacta. Simplesmente era um Santo Hábito que começava, soberano dos outros, naturalmente.
Sua piedade nada tinha de sentimental. Para ele era um dever ao qual obedecia sério e pontual. Gostava de acolitar a Missa. Oferecia-se espontaneamente, quer na capela de casa, quer na Igreja Paroquial. É uma honra! (Negada aos anjos diga-se) Notava-se sua posição, correta e firme, atenta ao Sacrifício ao qual se unia pela Comunhão.
D. Luis Gastão, não era um devoto de longas rezas. Não sabia nem prolongar, nem encurtar suas orações, principalmente nas ações de graça e visitas ao Santíssimo Sacramento. Ele sempre tão ativo, ficava calmo e recolhido, até o momento que julgava suficiente a homenagem dada Àquele diante de Quem viera se ajoelhar.
"Quando ele entrava na capela, só aquele Sinal da Cruz, nos impelia ao recolhimento." - Observa, sua avó materna, a Condessa de Caserta.
Numa igreja fria das montanhas de Auvernia, em Aubrac, Sul da França, ele recusou, obstinadamente um genuflexório. Cansado, manteve-se firme, de braços cruzados, ajoelhado sobre as lajes já gastas pelo uso de gerações de devotos. Sem pena de si mesmo, curvava sua alta estatura, e articulava distintamente as respostas da Santa Missa.
É verdade que sua piedade não era sentimental, mas, de modo algum excluía a afetividade. Amava com ternura a Mãe de Deus (Não é isso sinal de predestinação?). Certa vez, falava-se de devoções preferidas, e ele não se conteve: "Para mim, não há como a Virgem Maria." Depois, voltou-se, confuso pela demonstração contrária aos seus hábitos de reserva.
Todos os anos, com os seus, empreendia uma peregrinação a Lourdes. A última foi em Janeiro de 1931.
No terrível frio dos Pirineus, enquanto sua mãe rezava na gruta, ele foi mergulhar na piscina gelada. Durante três dias repetiu o sacrifício. Pedia sua cura. Para quê? Para gozar a vida? E quando houve naquele rapaz algum impulso nessa direção. (...)
Fosse qual fosse a sua atitude diante do chamado do Senhor, o "Mestre das Almas" voltara os olhos para ele e o amara. Não esperou por uma iniciativa de sua parte. Foi uma rude intervenção. O Grande Mestre dos Sacrifícios cortou o fio daquela natureza ágil, condenando-a à imobilidade da inatividade. A luta contra o Anjo, na noite.
Um dia, assistia a uma partida de futebol como simples espectador, contava os pontos, anotava os erros, esquecia o cansaço. " Sinto um formigamento nos pés. Quando tornarei a usar minhas pernas de verdade?" (Podia andar, com dificuldade)
Um dia, levantou-se e saiu febrilmente a correr pelo jardim. Entrou em casa, onde encontraram-no ofegante. "Que tem você?" - "Nada. Estou enferrujando-me de não fazer nada, preciso me desenferrujar." Fizeram lembrar-se então da preocupação de sua mãe pela sua demora em se recolher.
Sua mãe, como ele a amava! A eventualidade da grande separação surgia.
D. Maria Pia tinha requisitado uma enfermeira para partilhar os cuidados. Ele só aceitou quando lhe disseram que ela seria uma religiosa, Irmã Lúcia do Bon Secours de Troys, habituada a tais circunstâncias por quem ele tinha especial simpatia.
Os serviços dos médicos não eram - via-se bem - recebidos com alegria sincera. O médico significava a injunção de ficar tranqüilo, o prazo importo à impaciência. Mas, recíproca era a simpatia entre ambos. E nos últimos dias de vida, o Príncipe Imperial encarregou a mãe de agradecer tudo ao bom doutor.
O trabalho de desprendimento seguia lentamente. Certa vez suspirou: "Afinal, se Deus quer que eu esteja doente."
A vontade de Deus era sua preocupação: "Que Deus queira que eu viva ou morra, para mim é a mesma coisa. Afinal, todos nós não vamos morrer um dia? Mas, se eu morrer agora, não é preciso que ninguém sofra."
- "Sinceramente, não se importa?" - insistia a pobre mãe.
- "Não. Tanto faz."
Que me permitam uma pausa. Não se sente aqui um contato com o Divino? A indiferença, naquele jovem não era desânimo nem linfatismo: era a vitória de uma experiência pela qual percebera, logo, a insuficiência do mundo em encher seu coração.(...)Em seu olhar claro, lia-se o apelo divino à alma e a preferência absoluta por seu Deus.
(...)
Um dia lhe contaram os excessos de um santo. Ele concordou: - "Ele estava certo, pois, por amor a Deus, nada é demasiado." Nunca largava o Rosário. Quando o surpreendia a recitá-lo, guardava, entre os dedos, a conta da dezena começada, e não escondia o incômodo de ser interrompido. Depois voltava ao recolhimento.
Um dia quando se impacientava com a doença, a irmã enfermeira lhe aconselhou que invocasse pelo Rosário as Almas do Purgatório. Ele aquietou-se imediatamente, confessando, humildemente, seu mau-caráter.
Sua mãe lhe sugeriu ''oferecer tudo por seus pecados."
- "E você acha que eu já não o fiz?"No dia de sua morte, a mãe o surpreendeu quando ele tinha, entre as mãos, uma imagem de Nsa. Sra. do Parto. Aos pés da imagem, a qual a Princesa Imperial Viúva lhe havia trazido de sua peregrinação a Neuilly, encontravam-se gravadas estas palavras: Em meus braços, Deus busca tua alma, vem, meu filho.  
Algumas horas mais tarde o jovem atenderia ao chamado.
Era uma terça-feira, chegava ao fim a festa da Natividade de Nossa Senhora. Ele tinha vinte anos.
Nada fazia prever um fim tão rápido. No entanto, a Princesa Imperial Vivúva, como mãe cristã previdente havia lhe pensado administrar os últimos sacramentos. Tranqüilizada pelo médico, ela recuperou a esperança., bem como o próprio amigo padre a quem, D. Luís Gastão quisera ter por companheiro durante o verão. Aliás, ele se confessara e comungara na primeira sexta-feira do mês.
Tranqüilizado, o padre, que já tinha adiado uma viagem, voltou atrás, despediu-se do Príncipe Imperial, mas, a caminho da estação, D. Pedro Henrique que amavelmente, o levava de carro, objetou: "O senhor não deveria partir, sua presença pode ser útil."
De volta, anunciaram ao doente que o padre tinha perdido o trem. O Príncipe Imperial sorriu delicadamente: - "O pobre padre deve estar bem aborrecido."
O dia passou sem alarmes, mas a Princesa Imperial Viúva não escondia a inquietação.
Não era ainda meia-noite quando o rapaz se sentiu oprimido: "Irmã, - pediu ele - a água de Lourdes..." Foram suas últimas palavras, um ato de Fé em sua Mãe do Céu, que lhe recusara a vida na terra...
A Princesa Dona Maria Pia correu a acordar o padre que desceu às pressas, à cabeceira do jovem. Esse, em plena consciência, fixou-lhe um olhar infinitamente triste e suplicante, que o padre compreendeu.
Depois de lhe dizer as palavras sacramentais, lhe disse: - "Meu filho, esteja em paz! Com o Bom Jesus. Ele lhe abre os braços. Vai a Ele com a graça e a inocência do batismo."
Alguns segundos, e sua cabeça tombou em eterno repouso.
O Cardeal Verdier, informado, dignou-se, com sua bondade, vir consolar sua mãe sofredora e orar pelo defunto. Fez-se intérprete de todos ao exclamar:
"Nada está triste neste quarto, tudo recende à pureza, D. Luís Gastão está no Céu, eu o sinto, eu o invoco e ainda o invocarei... Amanhã rezarei a Missa com o cálice que Pio XI me deu para a Missa de minha Sagração Episcopal, dizendo-me: 'Ninguém além de nós celebrou com este cálice." Ali depositarei a alma de D. Luís Gastão e oferecerei a Deus."
A família conduziu os restos mortais de D. Luís Gastão a Dreux, para a Capela de São Luís, onde os descendentes de Luís Felipe tem direito à túmulo. Por ordem da Mãe, Dona Maria Pia, nada de aparência mundana, apenas uma camisa de noite, como se estivesse dormindo, o cobriria. O Caixão coberto com a Bandeira Imperial do Brasil foi posto sobre um catafalco, recoberto com uma toalha branca onde estava bordada uma coroa real com um escudo blau com Flores-de-lis de França e o alambel prata dos Orleàns. Terminada a Missa de Réquiem o esquife foi depositado em um túmulo de pedra ao lado do seu Pai, e dos avós o Conde e a Condessa d'Eu. Aos pés nada mais que uma cruz de flores brancas oferecida pelos criados, com consentimento da Princesa Imperial Viúva.
"Que belo dia! - nota um príncipe, familiar distante, Padre Jorge de Saxe - Sim! Apesar de tudo, que belo dia, mas a luz que ele vê lá em cima é bem mais bela."
Palavras de esperança cristã vindas de uma família que havia dado á Igreja duas vocações sacerdotais: a do irmão, Maximiliano Odo da Saxônia, a própria, tendo como ancestral comum com D. Luís Gastão a D. Pedro I.

NÃO QUERO SER UM HOMEM INÚTIL

Apesar de toda a piedade e consciência madura, é estranho notar a ausência do tema vocação na história, nota Monsenhor René Delair, hora, Dom Luís Gastão era um homem do dever, e como seu dever primordial era na Casa Imperial do Brasil, ele devia esperar o matrimônio de Dom Pedro Henrique seu irmão, para responder o chamado divino. O que Deus quer é o dever, sou um homem do dever. Repetia sempre a mim.
Terminamos essa biografia com uma frase de D. Luís transcrita por Monsenhor Delair: ''NÃO GOSTO QUE SE OCUPEM DE MIM"
Com que sinceridade deveríamos dizê-la e segui-la, disto poderíamos fazer o resumo da vida de D. Luís e o cronograma da nossa: ''NÃO GOSTO QUE SE OCUPEM DE MIM"

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