ERA PRECISO
Estas
lembranças nos mostram uma natureza elevada ao Supremo Bem por dons superiores
de nascença num meio favorável. Uma personalidade não tem a docilidade de uma
muda tratada com cuidados especiais por um jardineiro artista. Exige mais,
necessitará sempre da colaboração do livre arbítrio contra a soma das más
tendências herdadas ou, cuja insidiosa companhia até os melhores entre nós tem
que combater.
Naquele
rapaz de vinte anos, tão correto e educado, ninguém podia ver o menino tímido e
selvagem, a quem era preciso repreender para que consentisse em se apresentar.
Uma vez fugiu dum beijo de D. Amélia, Rainha de Portugal. Episódio vituperado
pelo Conde D'Eu:"Onde já se viu! Negar-se a beijar a Rainha!"
-
É verdade - concordava mais tarde - confesso que aquilo não foi muito delicado,
sobretudo tratando-se duma Rainha!."
A
razão para empreender uma ação estava justamente no grau de dificuldade que
esta exigia. Ouvira isto, muitas vezes, de boca paterna, e também muitas vezes
aplicou tal princípio, lembrando-se dele diretamente ou sofrendo sua ação no
subconsciente. D. Luís Gastão era voluntarioso, mas com calma e dignidade;
conforme a razão e não conforme o capricho.
Com
14 anos demonstrou um domínio de si superior á sua idade. Guiando sua
bicicleta, seguia seu preceptor que ia guiando na calçada, e não viu um enorme
Packard que vinha silenciosamente, e com a roda traseira, o atirou com sua
bicleta na pedra da calçada. Os que passavam acorreram e o Conde Tyszkiewicz,
julgara ser um acidente fatal, enquanto D. Luís se levantou, sacudiu a poeira e
declarou querer voltar para casa. Foi elvado á Vila Maria Teresa no carro que o
atropelara. Recusou ajuda para subir as escadas, e cambaleando manteve-se em
pé. O médico, apenas lhe recomendou repouso, por não encontrar fraturas, e o
avô Caserta, apenas lhe inspecionou, lhe disse: Isso não foi nada.
Certos
episódios médicos, acrescentam ao dito anterior.
Certa
feita, necessitou tirar um cisco preso á mucosa da pálpebra. Teve que revirar
as pálpebras para tanto. "Este seu aluno é corajoso, padre!" - disse
à Monsenhor René Delair, o médico.
Outra
quando foi preciso retirar uma farpa presa à unha. V. A. I. é de uma família de
bravos! - Exclamou o médico.
A
mesma força de vontade, aplicava nos estudos. Qaundo reagia vilentamente contra
uma matéria que lhe desgostava, com um: "Não faço mais!", logo o
reprimia com um: "Que estupidez desistir assim. Vou tentar de novo.”
Estupidez. Notem bem a palavra. Sempre a razão levando a vontade pelo caminho
certo. Suas redações eram cobertas de rasuras e sua caligrafia pesada. Mas a
linguagem perfeita, com uma ortografia francesa conquistada com muita luta.
Não
procurava a glória em seus trabalhos. Só permitira que eu lêsse suas redações á
D. Maria Pia por eu dar-lhe argumento razoável. A razão sempre o vencia.
Nada
lhe era mais desagradável que um elogio: "Da próxima vez farei bobagem
para me passar por menos inteligente e me deixarão em paz."
Classificando-se
em primeiro lugar num concurso, atribuiu a vitória á facilidade do tema.
Traçava
com mãos hábeis obtendo temas de muito bom gosto com aquarela. Sempre notando
os defeitos e retoques apontados pelo professor. Esculpia em cera pequenos
cavalos com formas precisas e elegantes, bem como em cartolina, pequenos
aviões, que oferecia ao primeiro que se encantasse com eles.
Preferia
no entanto o esporte, sempre deixando-o ao ser chamado. "É chato, mas era
preciso.
Sem
nenhum pedantismo, anunciava alegremente um: " Decidi... " E sua
decisão era executada.
Consagrava
horas á leitura, depois de muito esforço em adquirir o hábito de ler.
Compreendera o calor desse dever intelectual, e ali encontrava novas diretivas
para sua vida moral.
Certa
vez, quebrou o vidro da porta do Mas com um soco, para socorrer uma empregada
vítima de um buldogue nervoso, que na escuridão do cômodo, julgara ser um
gatuno surpreendido. Feriu-se na pressa e resolveu o assunto silenciando o cão.
Foi essa a última ação heróica de sua vida. Socorrer uma criada devotada.
EM MEUS BRAÇOS
DEUS BUSCA SUA ALMA
Filho
da graça, ainda que com simplicidade , nosso príncipe foi um perfeito filho do
dever. Não procurava o extraordinário. Sem esforço passava do humano ao divino.
Deixava os heróis épicos cujos feitos traduzia do latim para o francês, pelo
campo de tênis, retirando-se em sua casa, para o oratório familiar para rezar,
ali, o terço. Com pequenos atos cotidianos preparava a eternidade.
Com
ele estava a graça do nascimento, do nascimento batismal.
Ecutava
e aprendia a doutrina cristã, reservando para ela o melhor da sua aplicação.
A
Época da Primeira Comunhão chegou. Guiado por um excelente religioso carmelita,
amigo da família (Fr. Constantino OCD), entrou nos exercícios preparatórios sem
constrangimento, em companhia de seu irmão e sua prima Isabel. A 30 de outubro
de 1918, sem choque (o natural seria morrermos ao comungar), o contato teve
lugar entre o Senhor que se dava e sua pequena alma, onde a graça batismal
permaneceria intacta. Simplesmente era um Santo Hábito que começava, soberano dos
outros, naturalmente.
Sua
piedade nada tinha de sentimental. Para ele era um dever ao qual obedecia sério
e pontual. Gostava de acolitar a Missa. Oferecia-se espontaneamente, quer na
capela de casa, quer na Igreja Paroquial. É uma honra! (Negada aos anjos
diga-se) Notava-se sua posição, correta e firme, atenta ao Sacrifício ao qual
se unia pela Comunhão.
D.
Luis Gastão, não era um devoto de longas rezas. Não sabia nem prolongar, nem
encurtar suas orações, principalmente nas ações de graça e visitas ao Santíssimo
Sacramento. Ele sempre tão ativo, ficava calmo e recolhido, até o momento que
julgava suficiente a homenagem dada Àquele diante de Quem viera se ajoelhar.
"Quando
ele entrava na capela, só aquele Sinal da Cruz, nos impelia ao
recolhimento." - Observa, sua avó materna, a Condessa de Caserta.
Numa
igreja fria das montanhas de Auvernia, em Aubrac, Sul da França, ele recusou, obstinadamente
um genuflexório. Cansado, manteve-se firme, de braços cruzados, ajoelhado sobre
as lajes já gastas pelo uso de gerações de devotos. Sem pena de si mesmo,
curvava sua alta estatura, e articulava distintamente as respostas da Santa
Missa.
É
verdade que sua piedade não era sentimental, mas, de modo algum excluía a
afetividade. Amava com ternura a Mãe de Deus (Não é isso sinal de
predestinação?). Certa vez, falava-se de devoções preferidas, e ele não se
conteve: "Para mim, não há como a Virgem Maria." Depois, voltou-se,
confuso pela demonstração contrária aos seus hábitos de reserva.
Todos
os anos, com os seus, empreendia uma peregrinação a Lourdes. A última foi em
Janeiro de 1931.
No
terrível frio dos Pirineus, enquanto sua mãe rezava na gruta, ele foi mergulhar
na piscina gelada. Durante três dias repetiu o sacrifício. Pedia sua cura. Para
quê? Para gozar a vida? E quando houve naquele rapaz algum impulso nessa
direção. (...)
Fosse
qual fosse a sua atitude diante do chamado do Senhor, o "Mestre das
Almas" voltara os olhos para ele e o amara. Não esperou por uma iniciativa
de sua parte. Foi uma rude intervenção. O Grande Mestre dos Sacrifícios cortou
o fio daquela natureza ágil, condenando-a à imobilidade da inatividade. A luta
contra o Anjo, na noite.
Um
dia, assistia a uma partida de futebol como simples espectador, contava os
pontos, anotava os erros, esquecia o cansaço. " Sinto um formigamento nos
pés. Quando tornarei a usar minhas pernas de verdade?" (Podia andar, com
dificuldade)
Um
dia, levantou-se e saiu febrilmente a correr pelo jardim. Entrou em casa, onde
encontraram-no ofegante. "Que tem você?" - "Nada. Estou enferrujando-me
de não fazer nada, preciso me desenferrujar." Fizeram lembrar-se então da
preocupação de sua mãe pela sua demora em se recolher.
Sua
mãe, como ele a amava! A eventualidade da grande separação surgia.
D.
Maria Pia tinha requisitado uma enfermeira para partilhar os cuidados. Ele só
aceitou quando lhe disseram que ela seria uma religiosa, Irmã Lúcia do Bon
Secours de Troys, habituada a tais circunstâncias por quem ele tinha especial
simpatia.
Os
serviços dos médicos não eram - via-se bem - recebidos com alegria sincera. O
médico significava a injunção de ficar tranqüilo, o prazo importo à
impaciência. Mas, recíproca era a simpatia entre ambos. E nos últimos dias de
vida, o Príncipe Imperial encarregou a mãe de agradecer tudo ao bom doutor.
O
trabalho de desprendimento seguia lentamente. Certa vez suspirou: "Afinal,
se Deus quer que eu esteja doente."
A
vontade de Deus era sua preocupação: "Que Deus queira que eu viva ou
morra, para mim é a mesma coisa. Afinal, todos nós não vamos morrer um dia?
Mas, se eu morrer agora, não é preciso que ninguém sofra."
-
"Sinceramente, não se importa?" - insistia a pobre mãe.
-
"Não. Tanto faz."
Que
me permitam uma pausa. Não se sente aqui um contato com o Divino? A
indiferença, naquele jovem não era desânimo nem linfatismo: era a vitória de
uma experiência pela qual percebera, logo, a insuficiência do mundo em encher
seu coração.(...)Em seu olhar claro, lia-se o apelo divino à alma e a
preferência absoluta por seu Deus.
(...)
Um
dia lhe contaram os excessos de um santo. Ele concordou: - "Ele estava
certo, pois, por amor a Deus, nada é demasiado." Nunca largava o Rosário.
Quando o surpreendia a recitá-lo, guardava, entre os dedos, a conta da dezena
começada, e não escondia o incômodo de ser interrompido. Depois voltava ao
recolhimento.
Um
dia quando se impacientava com a doença, a irmã enfermeira lhe aconselhou que
invocasse pelo Rosário as Almas do Purgatório. Ele aquietou-se imediatamente,
confessando, humildemente, seu mau-caráter.
Sua
mãe lhe sugeriu ''oferecer tudo por seus pecados."
-
"E você acha que eu já não o fiz?"No dia de sua morte, a mãe o
surpreendeu quando ele tinha, entre as mãos, uma imagem de Nsa. Sra. do Parto.
Aos pés da imagem, a qual a Princesa Imperial Viúva lhe havia trazido de sua
peregrinação a Neuilly, encontravam-se gravadas estas palavras: Em meus braços,
Deus busca tua alma, vem, meu filho.
Algumas
horas mais tarde o jovem atenderia ao chamado.
Era
uma terça-feira, chegava ao fim a festa da Natividade de Nossa Senhora. Ele
tinha vinte anos.
Nada
fazia prever um fim tão rápido. No entanto, a Princesa Imperial Vivúva, como
mãe cristã previdente havia lhe pensado administrar os últimos sacramentos. Tranqüilizada
pelo médico, ela recuperou a esperança., bem como o próprio amigo padre a quem,
D. Luís Gastão quisera ter por companheiro durante o verão. Aliás, ele se
confessara e comungara na primeira sexta-feira do mês.
Tranqüilizado,
o padre, que já tinha adiado uma viagem, voltou atrás, despediu-se do Príncipe
Imperial, mas, a caminho da estação, D. Pedro Henrique que amavelmente, o
levava de carro, objetou: "O senhor não deveria partir, sua presença pode
ser útil."
De
volta, anunciaram ao doente que o padre tinha perdido o trem. O Príncipe
Imperial sorriu delicadamente: - "O pobre padre deve estar bem
aborrecido."
O
dia passou sem alarmes, mas a Princesa Imperial Viúva não escondia a
inquietação.
Não
era ainda meia-noite quando o rapaz se sentiu oprimido: "Irmã, - pediu ele
- a água de Lourdes..." Foram suas últimas palavras, um ato de Fé em sua
Mãe do Céu, que lhe recusara a vida na terra...
A
Princesa Dona Maria Pia correu a acordar o padre que desceu às pressas, à
cabeceira do jovem. Esse, em plena consciência, fixou-lhe um olhar
infinitamente triste e suplicante, que o padre compreendeu.
Depois
de lhe dizer as palavras sacramentais, lhe disse: - "Meu filho, esteja em
paz! Com o Bom Jesus. Ele lhe abre os braços. Vai a Ele com a graça e a
inocência do batismo."
Alguns
segundos, e sua cabeça tombou em eterno repouso.
O
Cardeal Verdier, informado, dignou-se, com sua bondade, vir consolar sua mãe
sofredora e orar pelo defunto. Fez-se intérprete de todos ao exclamar:
"Nada
está triste neste quarto, tudo recende à pureza, D. Luís Gastão está no Céu, eu
o sinto, eu o invoco e ainda o invocarei... Amanhã rezarei a Missa com o cálice
que Pio XI me deu para a Missa de minha Sagração Episcopal, dizendo-me:
'Ninguém além de nós celebrou com este cálice." Ali depositarei a alma de
D. Luís Gastão e oferecerei a Deus."
A
família conduziu os restos mortais de D. Luís Gastão a Dreux, para a Capela de
São Luís, onde os descendentes de Luís Felipe tem direito à túmulo. Por ordem
da Mãe, Dona Maria Pia, nada de aparência mundana, apenas uma camisa de noite,
como se estivesse dormindo, o cobriria. O Caixão coberto com a Bandeira
Imperial do Brasil foi posto sobre um catafalco, recoberto com uma toalha
branca onde estava bordada uma coroa real com um escudo blau com Flores-de-lis
de França e o alambel prata dos Orleàns. Terminada a Missa de Réquiem o esquife
foi depositado em um túmulo de pedra ao lado do seu Pai, e dos avós o Conde e a
Condessa d'Eu. Aos pés nada mais que uma cruz de flores brancas oferecida pelos
criados, com consentimento da Princesa Imperial Viúva.
"Que
belo dia! - nota um príncipe, familiar distante, Padre Jorge de Saxe - Sim!
Apesar de tudo, que belo dia, mas a luz que ele vê lá em cima é bem mais
bela."
Palavras
de esperança cristã vindas de uma família que havia dado á Igreja duas vocações
sacerdotais: a do irmão, Maximiliano Odo da Saxônia, a própria, tendo como ancestral
comum com D. Luís Gastão a D. Pedro I.
NÃO QUERO SER UM
HOMEM INÚTIL
Apesar
de toda a piedade e consciência madura, é estranho notar a ausência do tema
vocação na história, nota Monsenhor René Delair, hora, Dom Luís Gastão era um
homem do dever, e como seu dever primordial era na Casa Imperial do Brasil, ele
devia esperar o matrimônio de Dom Pedro Henrique seu irmão, para responder o
chamado divino. O que Deus quer é o dever, sou um homem do dever. Repetia
sempre a mim.
Terminamos
essa biografia com uma frase de D. Luís transcrita por Monsenhor Delair: ''NÃO
GOSTO QUE SE OCUPEM DE MIM"
Com
que sinceridade deveríamos dizê-la e segui-la, disto poderíamos fazer o resumo da vida de D. Luís e o cronograma
da nossa: ''NÃO
GOSTO QUE SE OCUPEM DE MIM"
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