quarta-feira, 22 de maio de 2013

A POLÍTICA DE SANTA RITA





           Poderíamos citar exemplos heroicos de santas, como Santa Marina, que viveu em mosteiro masculino disfarçada de homem quase a metade de sua vida, ou de outras santas que tiveram grande prestígio em sua época por sua erudição filosófica ou científica, como Santa Hildegarda, que era compositora musical, médica, farmacêutica e mística. Santas que tiveram notável influência na vida de sua pátria, como as Santas Rainhas Isabel de Portugal e sua tia, Isabel da Hungria. Outras, valorosas guerreiras, literalmente, como Santa Joana d'Arc, que fez coroar o delfim, Carlos VII, como rei da França e expulsou hordas de ingleses, dando fim à Guerra dos Cem Anos. E ainda outras, como Santa Catarina de Sena, que com a sua intuição feminina venceu a obstinada racionalidade masculina dos cardeais e do próprio Papa Gregório XIII, que queriam ficar em Avignon, ao invés de Roma, onde deveria o Sucessor de Pedro estar.
          Contudo, contaremos a vida refulgente de uma mulher que permaneceu apenas mais uma mulher. Uma filha comum, de pais comuns, esposa comum, mãe comum, viúva comum e freira comum. Digo comum, não porque nela não houvesse nada de extraordinário. Ao contrário, o que havia de extraordinário nela, era justamente ser comum. Nunca se valeu de privilégios, de erudição, de indultos. Apenas conformou a sua vida à Cruz de Cristo. E isso a fez mais influente na vida dos que a cercavam do que as santas incomuns puderam ser na vida de outros.
          O extraordinário cabe na vida de Santa Rita, mas ele não vem romper a ordem estabelecida por Deus, como o extraordinário rompeu a ordem natural em Santa Joana d'Arc ou Santa Catarina de Siena. Antes, o extraordinário e o milagroso a fez permanecer como as mulheres da sua época. Não é raro vermos moças aspirando a ser grandes Hildegardas, Joanas ou Catarinas... são santas... é claro, mas os seus exemplos são para ocasiões extraordinárias. Poucas desejam seguir o exemplo de  Rita... e o exemplo de Santa Rita é o que é mais prático para a vida ordinária, a vida comum, à qual atualmente é incomum que as mulheres aspirem (e não poucos homens assentem nisto).
          Não falarei dos milagres que a rodearam na infância. Do nascimento milagroso, direi somente que a sua concepção, no ventre da mulher de um camponês de Rocca Porena, cidade da região de Cássia na Itália, foi a grande graça esperada em longos anos de matrimônio. Graça alcançada na velhice de seus pais.
          Quando a menina era ainda bebezinha, a sua mãe a deixou em um moisés à sombra de uma árvore, enquanto auxiliava o marido nos trabalhos do campo. Passando por ali um camponês que ferira a mão, correu aos gritos, pois havia abelhas e alguns gemidos vindos da cestinha onde estava a infante. E qual não foi a surpresa ao ver que as abelhas alimentavam o bebê e não lhe faziam dano, e mais ainda, qual não foi a sua surpresa ao ver sua ferida curada? 
          A sua mãe, Amata, sabia que a filha se destinava a grandes coisas. Mas mesmo assim foi insensível aos rogos de deixá-la ir ao convento. E que coisa incomum, ou melhor, comum!, Rita obedeceu-lhe e ao pai, e casou-se. Em caso grave como a vocação não é obrigatório obedecer os pais. Mas desobedecer-lhes seria incomum, assim Rita se casou com Paulo Fernando. 
Paulo Fernando era um homem violento, dado à bebida, noitadas, rixas e toda a sorte de vícios. Pior do que isso. Por ser iracundo, fazia a esposa, Santa Rita, sofrer toda a sorte de humilhações em público e em privado lhe batia.
          "Não era um matrimônio feliz" me dirão. "Não era obrigada a suportar tantos sofrimentos. Não era um homem digno de respeito" me acrescentarão. E, de fato, concordo. Mas voltar à casa dos pais e desistir de suas obrigações de esposa, por mais lícito que fosse em tais ocasiões, seria incomum. Ela preferiu juntar esses sofrimentos às duas quaresmas que fazia por ano, às longas vigílias de oração. E resolveu respeitar o marido, ainda que ele não merecesse respeito.
          Por essa época, os Estados Pontifícios estavam abandonados e Tomás de Chiavano, chefe do partido gibelino queria fazer guerra contra o Papa Gregório XI, que estava em Avignon. Era a hora perfeita para tomar do papa o seu poderio temporal. Paulo Fernando se tornou membro deste partido, por ímpio que era.
          Santa Rita que fez? Não escreveu ao papa como Santa Catarina, nem lutou contra os gibelinos como Santa Joana d'Arc. Ao contrário, ela nunca cessou de orar e jejuar, e fazer as mais árduas penitências, para que o seu marido deixasse de se envolver com os inimigos da Igreja. Respeitava-o em tudo, mesmo que ele não a deixasse ir à Missa.
Todo esse respeito e as orações, sem dúvida, amoleceram o ego de Paulo Fernando até que, pouco a pouco, ele foi amansando o seu coração. Primeiro deixou de maltratar a esposa. Claro que não deixou de ser iracundo. Mas passou a sair de casa para se acalmar antes de estender a mão contra ela. Os exemplos de Santa Rita enterneceram o seu coração duro a ponto de convencê-lo a deixar o partido gibelino. Sem o apoio de Rocca Porena, liderada outrora por Paulo Fernando, o partido gibelino enfraqueceu e em três anos de guerra os sediciosos se renderam, e suplicaram o perdão da Igreja.
          Santa Rita teve com Paulo Fernando dois filhos, os quais ela se esmerava em educar para não caírem nos erros do pai. Devia, com certeza, tirá-los da presença dele quando este estava embriagado e, principalmente, quando este vinha brigar com ela.
          A graça divina triunfava pouco a pouco na natureza selvagem de Paulo Fernando, os pensamentos de ódio e vingança se desvaneciam, e num dia, Paulo Fernando, sinceramente arrependido, caiu aos pés de Santa Rita e, cobrindo os seus pés com lágrimas, e beijos, tomou as suas mãos e disse a soluçar: "Perdoa-me, Rita, fui indigno de ti, mas tudo isto terminou. Tua imensa bondade me conquistou e me fez compreender a verdadeira vida."
          Pouco depois, Paulo morreu assassinado à traição em uma emboscada armada por companheiros de rixas. Os seus filhos lhe seguiriam à morte pela doença do corpo.
          Foi assim que Santa Rita, com a sua vida comum, de esposa e mãe, salvou a alma de seu marido e as almas de seus filhos, os bens mais preciosos do qual daria conta à Deus.
          Essa política, a política da piedade e da oração, do cuidado do lar, e dos filhos, política tão sem brilho aos olhos contemporâneos, foi, sem dúvida, o milagre mais extraordinário da vida tão comum de Santa Rita. Rita... pérola... que brilhou para Deus!

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